A psicopedagoga Karla Cristina Pereira, vítima de agressão durante briga de trânsito com o sargento da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Antônio Haroldo Camelo da Silva, recebeu com exclusividade o Metrópoles e contou sobre os desdobramentos do caso, o trauma deixado e a falta de resposta institucional. O episódio, ocorrido em 20 de maio, foi registrado por câmeras de segurança e ganhou repercussão nacional nesta semana.
“Não passo um dia sem chorar por causa do ocorrido. É uma tristeza diária”, desabafa Karla segue se recuperando das lesões e continua abalada emocionalmente.
“Fisicamente ainda tenho dores. Tenho diabetes, então o emocional agrava muito o quadro. Estou medicada inclusive para conseguir dormir e ficar minimamente estável durante o dia”, revela. “Cada vez que lembro, sinto tudo de novo no corpo.”
Karla relatou ter procurado a imprensa somente após assistir, pela primeira vez, às imagens captadas por moradores de um prédio próximo. “Foi muito mais forte do que eu imaginava. Quando assisti, revivi tudo. Me impactou tanto que precisei de atendimento psiquiátrico. Já fazia terapia, mas não foi suficiente”, detalha.
Ela conta que, inicialmente, pretendia apenas registrar o caso judicialmente. Mas decidiu tornar público por se tratar de um agente da segurança pública. “Nada justifica uma agressão física. Meu agressor é um policial militar. A sociedade espera dele um comportamento equilibrado — e foi exatamente o oposto do que eu vivi”, diz.
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Briga de trânsito terminou em agressão violenta em Taguatinga Sul.
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O sargento foi filmado agredindo Karla com tapas, empurrões e rasteira.
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“Revivi toda a dor quando vi as imagens pela primeira vez”, contou Karla
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A Corregedoria da PMDF investiga o caso; o militar está afastado.
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Ela sofreu lesões na cervical, região mamária e escoriações no corpo.
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“Depois disso, não consigo mais sair de casa sozinha”, disse a vítima.
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Vida parada
Antes da agressão, Karla tinha rotina ativa com o filho, entre trabalho, escola e atividades, como basquete e parque. Hoje, relata medo de sair de casa. “Mesmo para visitar meus pais no fim de semana, penso três vezes. Não consigo sair sozinha. Não consigo atender as crianças sem que perguntem o porquê de eu estar triste — e aí eu desabo.”
Além do abalo emocional, a psicopedagoga lida com sequelas físicas: escoriações no cotovelo, lesões na cervical, na região mamária e hematomas na coxa. Segundo Karla, o choque das imagens foi tão intenso que ela se recordou de episódios que havia bloqueado, como o momento da queda após uma rasteira.
“Eu não lembrava de ter levado a rasteira. Quando fui prestar queixa, nem mencionei. Só revendo percebi o que tinha acontecido.”
Investigação parada
Segundo Karla, nenhuma autoridade oficial entrou em contato para prestar apoio ou acompanhar o caso até agora. A exceção, de acordo com a psicopedagoga, foi a 12ª Delegacia de Polícia (Taguatinga), que a procurou após ter acesso às imagens.
“O que avançou, como o afastamento e a suspensão do porte de arma, aconteceu só agora, depois da repercussão. Antes disso, nada tinha sido feito. A PM, inclusive, afirmou que não sabia do caso até ontem”, lamenta.
A Corregedoria da Polícia Militar informou, por meio de nota, que apura o caso com seriedade e que o sargento foi afastado do serviço operacional. A corporação considerou o episódio “um ato covarde” e ressaltou que todos os PMs do DF estão passando, desde 2024, por cursos de capacitação sobre respeito e proteção às mulheres.
Karla diz que segue em tratamento e busca justiça. “Obrigada pelo respeito e pela oportunidade mais uma vez”, frisou.
Imagens fortes
A vítima detalhou à polícia que a briga teria começado enquanto ela trafegava por uma via onde vários carros estavam estacionados irregularmente na rua, em Taguatinga Sul. A psicopedagoga, então, teria parado o Renault verde-musgo para aguardar a passagem de um terceiro veículo que vinha na contramão, quando foi surpreendida pelo Peugeot branco do sargento Antônio Haroldo Camelo da Silva, 50 anos, que buzinava insistentemente atrás.
Ainda segundo o boletim de ocorrência, Karla Christinna teria colocado a mão para fora do automóvel e sinalizado ao condutor que aguardasse. Após a passagem do terceiro veículo, o PM entrou na garagem de um prédio, parou o veículo, desembarcou, começou a gesticular e passou a xingar a vítima.
A confusão teria escalado após o sargento supostamente fazer o seguinte comentário machista: “Tinha de ser mulher ao volante“. O PM teria prosseguido com os insultos e dito: “Sua maluca. Você é idiota. Uma merda”.
Veja imagens:
Ainda segundo os relatos prestados à polícia e as imagens gravadas por uma câmera de segurança que registrou toda a confusão, Karla Christinna se aproximou, e os dois começaram a discutir.
Porém, quando ela tentou voltar ao carro, o sargento teria lhe ofendido novamente. Então, a vítima seguiu na direção do policial, bateu no vidro do passageiro do automóvel dele, e a briga se intensificou.
Antônio Haroldo a empurra, e Karla Christinna parte para cima dele. Ele volta para o carro e tenta entrar na garagem, mas a psicopedagoga sobe no capô do veículo e acaba arrastada por alguns metros.
Saiba mais
- A confusão aconteceu em 20 de maio último. Porém, as imagens do caso só começaram a circular nesta quinta-feira (3/7).
- A ocorrência é investigada pela 12ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Centro) como lesão corporal, furto, injúria e dano.
- Câmeras de segurança de um residencial em Taguatinga Sul, próximo ao local da briga, gravaram quando o Renault e o Peugeot dos envolvidos passaram em frente ao prédio.
- A corporação pediu as imagens registradas, para que elas auxiliem na apuração dos fatos.
A motorista continua a bater no vidro do carro do militar, e o sargento desce novamente do veículo e dá um chute no abdômen da vítima e um soco na lateral do rosto dela.
Então, ele estaciona e desembarca de novo. Dessa vez, dá uma rasteira em Karla Christinna, que estava com o celular em mãos e mexia no aparelho. Um morador do prédio que aguardava o elevador e uma outra mulher afastam o PM da vítima. Em seguida, as testemunhas prestam socorro à psicopedagoga.
Por meio de nota, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) informou que afastou o sargento do serviço operacional e suspendeu o porte de arma dele. Além disso, a Corregedoria da corporação abriu procedimento administrativo para acompanhar o caso, “que será rigorosamente investigado”, segundo a PMDF.
“As imagens do circuito de segurança, que mostram um ato covarde, estão sob análise e integram os elementos considerados na apuração em andamento”, completou a corporação. A PMDF reforçou que “repudia todo tipo de violência, especialmente contra mulheres, considerando que o enfrentamento à violência de gênero é uma das prioridades” da instituição.