O governo americano está prometendo trazer de volta ao seu país uma antiga grandeza que ele tem a fantasia de ter perdido. Grandes movimentos políticos quase sempre são alimentados não por fatos, mas por poderosas ficções que embriagam as pessoas por um certo tempo. Como tudo o que não é verdadeiro, essa embriaguez acaba se dissipando, deixando, no entanto, em seu rastro muitas perdas e muito sofrimento.
Na busca pela grandeza perdida o governo está empenhado em desconstruir o sistema internacional de comércio, para negociar com cada país, aliado ou não, novos termos que sejam favoráveis à América, independentemente de serem os novos termos justos ou não. Nesta cruzada ninguém ficou de fora, mesmo os parceiros mais próximos, como é o caso do Canadá, do México e da Europa. Em todos estes casos a motivação tem sido exclusivamente econômica, a abertura dos mercados, sem qualquer restrição, às exportações americanas.
O caso do Brasil foge às linhas desta lógica. As importações totais dos Estados Unidos estão em torno de 4 trilhões de dólares por ano, dos quais apenas 1%, ou sejam, 40 bilhões de dólares são provenientes do Brasil. Além do mais, em nosso comércio bilateral os Estados Unidos têm sido sistematicamente superavitários, exportam mais do que importam, com um saldo positivo de 7 bilhões de dólares por ano. É claro que não temos nada a haver com o gigantesco déficit americano.
O Presidente Trump, sem amparo nos fatos, chegou a dizer que o Brasil tratava injustamente os Estados Unidos, querendo dizer com isto que praticávamos tarifas desiguais na entrada de produtos americanos. A AMCHAM, a Câmara Americana de Comércio para o Brasil, desmentiu a afirmação, mostrando que nossa tarifa ponderada efetiva aplicada aos Estados Unidos era de apenas 2,6%, enquanto com relação ao resto do mundo era de 4,3%. Apesar disto, seremos penalizados com uma tarifa geral de 50%, maior do que as que serão impostas a todos os países, com a exceção da China. E nos fundamentos de tal decisão foram acrescentados motivos não comerciais, que ferem abertamente nossa soberania e que, portanto, estamos impedidos de negociar.
A todos os países atingidos pelo ataque tarifário foram abertas mesas de negociação, onde estão sendo tratados exclusivamente comércio e investimentos, ao passo que os canais de diálogo estão fechados para nós. Para complicar mais ainda as coisas, o Escritório de Representação Comercial americano, órgão de nível ministerial, abriu uma investigação contra o Brasil para apurar práticas desleais do nosso sistema tarifário, no comércio digital e nos pagamentos eletrônicos e até no desmatamento ilegal. Ou seja, há uma investida pesada contra a economia e o povo brasileiros.
Dada a realidade do momento, as tarifas punitivas, quase um embargo comercial, entrarão realmente em efeito a partir de agosto, causando danos e prejuízos imensos a várias de nossas mais importantes cadeias produtivas. Perderemos renda e empregos, pois precisamos de tempo para encontrar novos mercados e até lá muitas empresas poderão deixar de existir. Se cometermos o erro de retaliar, as consequências serão imprevisíveis.
A punição ao Brasil é um ato sem precedentes na longa história das relações do Brasil com os Estados Unidos e sem precedentes nas relações comerciais internacionais, tendo assumidamente um caráter político. Deveria por isto mesmo merecer o repúdio da comunidade internacional, mas nenhum país do mundo quer expor-se à vingança inevitável.
Para resistir só contamos com os brasileiros. No entanto, pesquisa publicada no dia 24 de julho, do IPESP, revela que apenas 61% dos brasileiros reprovam o governo Trump, restando 33% que o aprovam, apesar de tudo. São uma minoria, mas uma grande minoria, cerca de 50 milhões de eleitores. Se numa questão de tal modo existencial não estamos reunidos no mesmo propósito, que força teremos para resistir?
A seu tempo as tarifas deixarão de existir e o Governo Trump chegará ao fim. Assim dividida a nação brasileira talvez nunca mais seja a mesma.
Roberto Brant, ex-ministro da Previdência Social do governo Fernando Henrique Cardoso