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    Servidor investigado pelo MP pediu R$ 69 mil “da sorte” na Novacap

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    As conversas interceptadas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) revelam uma inversão de papéis na Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap): servidores públicos, que deveriam fiscalizar contratos, teriam se tornado subordinados diretos das empreiteiras envolvidas no esquema. A naturalidade com que valores de propina eram negociados e cobrados demonstra, segundo os investigadores, que a corrupção funcionava como um negócio institucionalizado.

    Um dos diálogos mais emblemáticos, anexado aos autos da investigação, ocorreu entre Marcos Boechat, operador do cartel, e Francisco José da Costa, servidor da Novacap, apontado como líder do esquema. “Avisei o gordo que fazemos tudo que ele manda!!”, escreveu Marcos, em tom de desabafo. O “gordo”, segundo o Gaeco, seria Luciano Neves Garcia, sócio da NG Engenharia, empresa beneficiada por contratos milionários.

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    Para os promotores, a frase ilustra o nível de submissão dos agentes públicos aos interesses privados. A palavra final não partia da estatal, mas dos empresários, que ditavam quem deveria receber, quanto e quando.

    Essa relação de dependência também aparece em mensagens trocadas com Jonas Felix, outro operador do cartel. Antes de liberar pagamentos, Francisco José buscava aprovação.

    “Posso liberar a Artec?”, perguntou ele. Jonas respondeu que sim, ao que o servidor retrucou: “Somente atendo o que você manda…”. Para o Ministério Público, os diálogos reforçam a tese de que a Novacap estava a serviço de empresas que controlavam, na prática, a máquina pública.

    Cobranças de propina como rotina

    As mensagens mostram que, um dia após liberar R$ 2,7 milhões para a NG Engenharia, Francisco José enviou uma cobrança direta a Marcos Boechat: “Falta 50, né? Você pode mudar de Emília para Emilene?”. A frase, segundo o Gaeco, é uma solicitação de R$ 50 mil em propina, com a orientação para que o depósito fosse feito na conta de outra irmã do servidor, diversificando o fluxo de dinheiro e dificultando o rastreamento.

    Outras cobranças seguiam o mesmo padrão. Francisco José pedia “ajuda no café 5 mil” ou solicitava um PIX de “10 mil” para um assessor. Sempre após grandes liberações, surgiam os pedidos, descritos por investigadores como um verdadeiro “toma lá, dá cá” descarado.

    Carro como “caixa eletrônico”

    A investigação também aponta que o esquema usava métodos ousados para evitar rastros bancários. Em 29 de junho de 2022, Francisco José enviou uma foto de seu Toyota Corolla prata, estacionado em local público, para Jonas Felix. A mensagem seguinte era simples: “Porta aberta”. Para o Gaeco, o carro funcionava como ponto de entrega de propina em espécie.

    A cena se repetiu 11 dias depois, com outra foto do mesmo veículo, desta vez indicando o porta-malas aberto. Cruzando as datas, os investigadores constataram que, dias antes, Francisco e Jonas haviam discutido valores: o servidor propôs “160”, mas o operador insistiu em “150”. Para os promotores, o carro aberto era a senha para depósitos de dinheiro vivo – um método arriscado, mas que não deixava registros formais.

    69

    Em outro episódio, 25 de outubro de 2022, o servidor Aurélio Rodrigues de Castro pediu a Lucio Novaes, sócio da empresa LAN, que emitisse uma nota fiscal para justificar um pagamento. Quando Aurélio perguntou o valor exato, Lucio respondeu em tom de deboche: “Pode ser 69 mil… da sorte rsrs”.

    A nota, no valor exato de R$ 69 mil, foi emitida no mesmo dia pela empresa DM & Castro Engenharia, que pertencia ao próprio Aurélio. Para o Gaeco, a cena mostra a banalização do crime: quem deveria fiscalizar emitia notas frias para si mesmo, enquanto empresários definiam arbitrariamente o preço do “serviço”.

    As conversas expõem que o pagamento de vantagens indevidas era tratado como uma transação comercial qualquer. Não havia códigos complexos, apenas frases diretas, como se a prática fosse um procedimento oficial. Para os investigadores, essa naturalidade indica a certeza de impunidade dos envolvidos e evidencia como o esquema teria se enraizado na estatal.

    O caso segue em investigação. O Ministério Público afirma que os elementos já reunidos demonstram um desvio sistêmico, com servidores públicos atuando sob comando de empresários, operadores articulando as negociações e empresas de fachada justificando pagamentos fraudulentos.

    O outro lado

    Em nota enviada à coluna, a NG Engenharia e Luciano Neves Garcia declararam que reafirmam “compromisso inabalável com a ética, a transparência e o cumprimento rigoroso da legislação.”

    “Diante das alegações apresentadas, manifestamos total serenidade e confiança nas instituições competentes, certos de que as investigações em curso trarão à luz a verdade dos fatos. A empresa e o Sr. Luciano Neves Garcia colocam-se à disposição e já colaboram plenamente com as autoridades, fornecendo todos os esclarecimentos necessários ao devido apuramento”, diz a nota.
    “Reiteramos nosso respeito ao processo legal e nossa convicção de que a justiça prevalecerá”, finalizou.

    A coluna acionou a Novacap e aguarda retorno. A reportagem também busca localizar a defesa dos demais envolvidos. O espaço segue aberto.

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