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Tempos nervosos (por Gaudêncio Torquato)

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Tempos nervosos (por Gaudêncio Torquato)

Nos últimos tempos, Luiz Inácio tem recorrido ao bordão do partido, usado em seus dois mandatos anteriores, com o claro objetivo de dar um norte ideológico ao seu governo. O surrado bordão “nós contra eles’, ou seja, Lula contra as elites, é mais uma tentativa do presidente para recuperar sua popularidade, em queda, segundo as pesquisas. A luta de classes passou a ser o mote que a Secretaria de Comunicação, comandada pelo publicitário baiano Sidônio Palmeira, arrumou para dar uma cara ao governo Lula 3, sob a crença de que ele conseguirá, em um ano e três meses, resgatar a posição de franco favorito, que Lula continua a ostentar, embora ameaçado pelos índices de representantes do bolsonarismo.

Perguntas à espera de respostas: será que as transformações que ocorrem na comunidade política das Nações democráticas, desde a queda do muro de Berlim, em 1989, passam ao largo da visão lulo petista? Ainda é possível se falar hoje em luta de classes? É viável lustrar a imagem dos governantes com as tintas da ideologia, nessa quadra em que o fenômeno da desideologização; a perda de identidade dos partidos (os partidos de massas, que nasceram sob o signo das lutas operárias, mudaram seus paradigmas, modificando-se qualitativamente, moderando atitudes, ajustando-se aos contextos econômicos, atenuando seu fogo ideológico); o declínio do socialismo real; a ascensão do neoliberalismo e a personificação do poder- agora concentrado nos indivíduos e abrindo a era do fulanismo na esfera político-partidária, – geraram novas configurações geopolíticas e redefiniram o debate ideológico global?

Questões para os adeptos do socialismo real responderem.

O fato é que os sistemas democráticos, na visão do cientista francês Maurice Duverger, passaram a se guiar pela bússola da tecno democracia, cujas estacas são fincadas no terreno de grandes organizações económicas. De acordo com sua reflexão, a clássica democracia liberal, assentada na competição entre pequenas unidades empresariais, concorrentes e autônomas, cedeu lugar a vastas organizações, hierárquicas, racionalizadas, amparadas em imensos conjuntos e em sólidas bases empresariais, com ramificações e imbricações entre grupos de interesse. Sob sua sombra, estreita-se o campo ideológico e se alarga o campo pragmático, voltado para a priorização de resultados práticos e soluções eficazes.

Voltemos a Lula, que, nos últimos dias, ganhou uma inusitada cesta de presentes. O remetente foi nada mais nada menos que o poderoso governante que está dando as cartas no tabuleiro geopolítico: Donald Trump. Na cesta enviada por Trump, dois presentes se destacam: um pacote de tarifas (50% nas tarifas de importação de produtos brasileiros) e a cassação dos vistos de entrada nos EUA do ministro Alexandre de Moraes e de mais sete ministros do STF. E por que se pode chamar a encomenda de presente, quando o objetivo do remetente é o de aplicar um castigo, punir o país do destinatário? Porque o nosso mandatário viu a possibilidade de fazer do limão uma limonada, ou seja, realizar o sonho de enfrentar um dos mais poderosos líderes mundiais e cumprir a promessa embutida no velho bordão petista: o Nós contra eles, que, agora, se transforma no Lula contra Trump.

Os “presentes” do presidente norte-americano ao Brasil chegaram em boa hora. Como se sabe, a popularidade de Lula está em queda. Duas pesquisas recentes mostram que a avaliação positiva de Luiz Inácio subiu desde que Trump anunciou a tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros. As tarifas deram oxigênio ao presidente, animando as bases petistas e melhorando sua viabilidade como candidato em 2026. Lula aproveitará a onda nacionalista, que passou a ser refrão de seus pronunciamentos, para alavancar sua reeleição.

O governante e a esquerda tiram proveito da situação criada pelo “dono do mundo”. A esquerda acha que a “avalanche avassaladora’’ de Trump pode resgatar sua histórica força. Parcela da sociedade brasileira começa a acreditar na reeleição de Luiz Inácio, agora visto como o defensor da soberania nacional, o guerreiro que não teme enfrentar o “imperador do Brasil”, expressão que usou para criticar o presidente norte-americano (e endossada pelo jornal Financial Times, em artigo de um de seus colunistas, Edward Luce), por sua escancarada atitude de querer ditar as regras do comércio internacional.

O que se pode esse esperar dessa querela? Lula será vitorioso?  Difícil apostar nessa hipótese. Afinal, seu contendor é o comandante do maior poderio militar do mundo, mantendo os EUA uma presença militar global extensa, com bases e tropas espalhadas por diversos continentes.

O mais provável é que Lula conterá sua fala e tentará chegar a um meio termo pela via da diplomacia. Mesmo assim persiste a dúvida: Trump aplicará tarifas mais altas contra o Brasil, caso Jair Bolsonaro seja preso? Manterá suas sanções contra 8 ministros do STF, proibidos de entrar em território americano? O plano de contingência do governo brasileiro para lidar com a tarifa de 50% anunciada por Donald Trump vingará?

Os próximos tempos prometem ser nervosos.

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