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“Totalmente fraudável”, diz ex-PM que implantou sistema de câmeras

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“Totalmente fraudável”, diz ex-PM que implantou sistema de câmeras

Um dos responsáveis por implementar o sistema de câmeras corporais da Polícia Militar de São Paulo, o especialista em provas digitais e ex-PM Bruno Dias afirma que o programa que armazena milhões de gravações de ocorrências tem “inúmeras vulnerabilidades” e é “totalmente passível de fraude”.

Conforme revelado pelo Metrópoles nesta segunda-feira (28/7), a plataforma Evidence oferece aos policiais a possibilidade de alterar as datas dos vídeos e atribuí-los a usuários anônimos, além de deletá-los. Um caso concreto, que está sendo investigado internamente pela PM, envolve uma ocorrência no Morro do José Menino, em Santos, que resultou na morte de Joselito dos Santos Vieira, de 47 anos.

Segundo informações extraídas do sistema e obtidas pela reportagem, em 18 de março de 2024, a major Adriana Leandro de Araújo, ligada à cúpula da PM, acessou o arquivo de imagens gravadas pela câmera de um dos PMs da ocorrência e mudou o nome do policial envolvido e a data do fato. Dias depois, ela deletou a gravação.

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Histórico da gravação da bodycam do soldado Thiago mostra operações feitas por Major Adriana

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Major Adriana deleta vídeo da câmera corporal do soldado Thiago

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Print do sistema Evidence mostra vídeo apagado

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Perfil do usuário anônimo “Usuário de Operações”

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Operações realizadas com “Usuário de Operações” no sistema Evidence

Reprodução

 

Sistema fraudável

Enquanto soldado do setor de tecnologia do 37º Batalhão Metropolitano, na zona sul da capital, Bruno Dias acompanhou desde o início, em 2016, os estudos para implementação das câmeras corporais no estado de São Paulo. Sob o comando do coronel Robson Cabanas, que defendia que os equipamentos da Axon eram invioláveis, a unidade foi a primeira a adotar os equipamentos.

Dias foi o responsável pelo treinamento das tropas que passavam a usar as câmeras, incluindo oficiais e a Secretaria de Justiça e Disciplina. Anos depois, após ser convidado a se retirar da PM devido a críticas ao modelo das câmeras corporais, Dias afirma que, com o passar do tempo, policiais desenvolveram métodos para fraudar o sistema, com o objetivo de apagar evidências contra si próprios.

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Segundo ele, qualquer policial habilitado na plataforma pode alterar a própria permissão e deletar vídeos em massa.

“O sistema tem inúmeras vulnerabilidades. É totalmente passível de fraude. Existe uma permissão chamada ‘alterar a permissão’. Um policial pode alterar a própria permissão, se colocar como administrador do sistema e fazer o que ele quiser do sistema. Em torno de seis policiais por batalhão poderiam fazer isso. Você pode apagar vídeos avulsos, apagar em massa. Você pode alterar a autoria, deixar o vídeo sem autor relacionado. Você pode também alterar data e hora do fato. Isso é gravíssimo. Compromete a legitimidade dos vídeos enquanto provas”, acrescenta.

Ele explica que a principal forma de pesquisa para encontrar um vídeo é justamente pela data e pela hora. Por isso, a alteração dessas informações torna praticamente impossível localizar uma grava em um sistema que tem cerca de 20 milhões de vídeos. “Como você vai localizar? Você precisa dos metadados. Mas os metadados são totalmente adulteráveis dentro do sistema. Você fica totalmente ali sem entender como achar”.

Uma das formas de fraudar o sistema, segundo o especialista, é esperar três meses para colocar a câmera corporal na doca de extração, aparelho que recebe as gravações e sobe no Evidence. Com isso, as imagens são apagadas automaticamente, já que três meses é exatamente o prazo para que elas permaneçam na plataforma.

“Há várias formas ali de você manipular”, afirma Dias. “Policiais esperam dar três meses para a câmera ser colocada na sua base de extração. Tem unidades que deixam câmeras separadas para alegar que estavam usando câmeras, mas na verdade essas câmeras nunca são extraídas”.

Em outros casos, diz o ex-PM, os policiais enchem a memória das câmeras propositalmente e continuam utilizando os aparelhos por vários dias sem que eles captem nenhuma imagem.

No caso da ocorrência que resultou na morte de Joselito, em Santos, o histórico de acionamento das câmeras corporais dos policiais envolvidos na ocorrência mostra que eles apertaram repetidamente diversos botões das câmeras, como botões de volume. O objetivo, segundo Bruno Dias, seria fazer com que a bateria dos aparelhos acabasse mais rápido.

Segundo o ex-PM, em muitos casos, policiais militares envolvidos em ocorrências de homicídio declaram, em depoimento, que não estavam com câmeras corporais, mesmo que estivessem usando os equipamentos. Isso acontece, diz o soldado, porque eles contam com o fato de que vão conseguir sumir com as imagens, seja trocando a câmera ou por meio de manipulações no sistema Evidence.

O que diz a SSP

Questionada pelo Metrópoles, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) disse que a denúncia citada pela reportagem é alvo de uma sindicância instaurada pela Polícia Militar para “apurar com o máximo rigor todas as circunstâncias relativas aos fatos”.

“A instituição reafirma seu compromisso com a legalidade, a transparência e, acima de tudo, com a defesa da vida. Condutas incompatíveis com os princípios da instituição não serão toleradas. Caso seja confirmada qualquer irregularidade, as medidas cabíveis serão adotadas para garantir a responsabilização dos envolvidos”, diz nota enviada pela SSP.

A reportagem também enviou uma mensagem para a major Adriana Leandro de Araújo. Até o momento da publicação, não houve retorno. Procurada, a empresa Axon também não retornou. O espaço segue aberto para manifestações.

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