Levantamento da Corregedoria da Polícia Civil, feito após a apreensão de celulares, drogas, dinheiro e até anabolizantes — no Presídio Especial da Polícia Civil, na zona norte paulistana — identificou três “células criminosas” composta por policiais apontados como supostos coordenadores de ações criminosas na unidade.
A chegada de dez membros da instituição, entre setembro passado e fevereiro, mudou a rotina entre a população carcerária da unidade prisional, como revelou o Metrópoles.
Os dois primeiros policiais civis que desestabilizaram a rotina do presídio policial são Valmir Pinheiro, conhecido como Bolsonaro, e Valdenir Paulo de Almeida, o Xixo. Ambos foram presos, em setembro passado, sob a suspeita de ligação com o PCC, do qual são acusados de receber propina para arquivar investigações sobre tráfico de drogas. Eles compõem um do núcleos elencados pelo órgão fiscalizador.
Os policiais foram indiciados por crimes contra a administração pública, usura, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Eles são acusados pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) de receber R$ 800 mil do narcotraficante João Carlos Camisa Nova Júnior para livrá-lo de uma investigação sobre envio de toneladas de cocaína para a Europa.
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Fábio Baena e Rogerinho foram alvo de mandados de prisão nesta terça (17)
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Fabio Baena foi preso pela PF acusado de ligação com o PCC
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Policiais civis Valmir Pinheiro, conhecido como “Bolsonaro” (esq.), e Valdenir Paulo de Almeida, o “Xixo”, presos por envolvimento com o PCC
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As investigações indicam que o pagamento de propina aos policiais era feito mensalmente por advogados do PCC entre 2020 e junho de 2021. A propina resultou no arquivamento de apurações e na interrupção de um inquérito policial realizado pelo Departamento de Narcóticos (Denarc).
O delator do PCC Vinícius Gritzbach, morto com 10 tiros de fuzil no Aeroporto de Guarulhos em 8 de novembro, teria informado a Bolsonaro e Xixo a localização de 15 casas cofre da facção, onde ficavam escondidos milhões de reais em espécie.
Extorsão de milhões
O outro núcleo detido no presídio da zona norte é composto pelo delegado Fábio Baena Martin, o investigador chefe Eduardo Lopes Monteiro, além dos investigadores Rogério de Almeida Felício, o Rogerinho, Marcelo Marques de Souza, Bombom, e Marcelo Roberto Ruggieri, o Xará.
Todos são investigados pelo suposto envolvimento no assassinato de Vinícius Gritzbach.
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Fintechs ligadas ao PCC
Além deles, em fevereiro, o policial civil Cyllas Salerno Elia Júnior também foi encaminhado ao presídio da Polícia Civil, após ser preso em uma operação do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e da Polícia Federal (PF).
A investigação mira a atuação das fintechs 2GO Bank — da qual o policial é fundador e CEO — e Invbank. Ambos se tornaram alvos da polícia a partir da delação de Vinicius Gritzbach.
Cyllas já havia sido preso em 26 de novembro do ano passado, durante a Operação Tai-Pan, da PF, contra crimes financeiros que movimentaram R$ 6 bilhões nos últimos cinco anos. O policial foi solto em janeiro após decisão da Justiça Federal, mas estava afastado das funções e responde a um procedimento na Corregedoria da Polícia Civil.
Drogas desviadas e revendidas
O terceiro núcleo, mencionado pela Corregedoria, é formado pelo investigador-chefe do 77º DP (Santa Cecília), Cléber Rodrigues Gimenez, de 47 anos.
Como mostrado pelo Metrópoles, ele mantinha uma rede de subordinados — ligados ao crime — por meio da qual viabilizava a venda de drogas desviadas de apreensões feitas pela Polícia Civil na capital paulista.
Entre seus parceiros no esquema, preso também no presídio policial, está o investigador Thiago Gonçalves de Oliveira, 35.
As defesas dos acusados mencionados nesta reportagem não foram localizadas. O espaço segue aberto.
Comparados ao PCC
A conduta ilegal atribuída aos delegados e investigadores detidos chegou a ser comparada, pela Corregedoria da Polícia Civil, às ações do Primeiro Comando da Capital (PCC), cujos líderes coordenam a atividades criminosas nas ruas, mesmo estando atrás das grades.
Documento do órgão fiscalizador, obtido pelo Metrópoles, afirma que os agentes encarcerados se dividem em “células criminosas”.
“Do ponto de vista criminológico, numa análise indutiva, o comportamento dos alvos investigados, particularmente em relação ao trato com o cárcere, remete a uma analogia precisa com integrantes do sistema prisional brasileiro, particularmente dos membros da facção PCC, onde a estratégia de uso de recursos tecnológicos de comunicação com o mundo externo foi o mesmo adotado pelos investigados em relação ao cárcere que ora suportam junto ao Presídio Especial da Polícia Civil”.
A afirmação foi feita após a apreensão de celulares e dinheiro, em um intervalo de menos de dois meses, além de drogas e até anabolizantes nas celas dos policiais presos.
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Fábio Baena e Rogerinho foram alvo de mandados de prisão nesta terça (17)
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Fabio Baena foi preso pela PF acusado de ligação com o PCC
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Policiais civis Valmir Pinheiro, conhecido como “Bolsonaro” (esq.), e Valdenir Paulo de Almeida, o “Xixo”, presos por envolvimento com o PCC
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“Cisão e turbação”
O documento ainda destaca que a chegada dos dez policiais, que compõem três núcleos distintos, provocou “uma clara cisão e turbação” da rotina e dos “protocolos carcerários” do presídio policial.
“A população carcerária, então existente, primava pela ordem e boa convivência com a direção da unidade prisional, não havendo histórico de ocorrências de repercussão e relevância, como as que serviram de objeto para aquela busca e apreensão judicial nas celas”.
As ocorrências, que resultaram nas apreensões mencionadas pela Corregedoria, ocorreram em 4 de fevereiro e em 17 de março.
Somando as duas datas, foram apreendidos 30 celulares, R$ 32.705,91, sete facas, dois computadores, além de maconha, bebidas alcoólicas e, até, anabolizantes.
“Tentáculos”
A Corregedoria acrescentou no relatório que os três novos núcleos de policiais presos contam com o poderio financeiro do crime, criando “tentáculos” de dentro para fora do presídio.
Aliado à “uma grande vulnerabilidade” da segurança da unidade carcerária, pontua ainda o documento, o poder de ação dos dez policiais detidos gera preocupação de uma “fuga iminente” — por meio de “arrebatamento” ou, ainda, com a eventual escavação de um túnel para o resgate dos presos.
O Metrópoles apurou que, até esse sexta-feira (4/7), 86 policiais civis estavam atrás das grades no local: 66 no regime fechado e, os demais, no semiaberto.