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    Um míssil contra o Brasil (por Marcos Magalhães)

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    Três, dois, um, zero. As 72 horas que nos separam do tarifaço de Donald Trump soam como uma contagem regressiva. Não para levar ao espaço um pacífico satélite. Mas para o lançamento de um míssil contra o Brasil.

    O míssil, de alto poder de fogo contra exportadores brasileiros, tem como combustível a luta política.

    O presidente americano disse, com todas as letras, aliás letras maiúsculas, que o Supremo Tribunal Federal deveria suspender imediatamente o processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, por tentativa de golpe de Estado.

    Se Trump não mudar de ideia até sexta-feira, as exportações brasileiras deverão pagar 50% de tarifas ao governo norte-americano. Os efeitos, caso a medida se concretize, serão desastrosos para empresas com grandes negócios com os Estados Unidos.

    Apenas como comparação, a União Europeia aceitou firmar um acordo com os EUA para a imposição de taxa de 15% sobre as exportações do Velho Continente – contra 30% inicialmente anunciados. Pois o euro teve a sua segunda maior queda do ano, e representantes das duas maiores economias do bloco não deixaram por menos.

    “O acordo vai causar dano considerável à Alemanha, à Europa e aos próprios Estados Unidos”, reagiu o chanceler alemão Friedrich Merz. “Não apenas teremos inflação mais alta, como também todo o comércio transatlântico será afetado”.

    De Paris, o primeiro-ministro francês François Bayrau disse que o anúncio do acordo marcava um “dia sombrio”. A União Europeia, alertou, “submeteu-se à submissão”.

    O que diriam ambos, se lhes fosse aplicada a tarifa de 50%? E se a justificativa para a tarifa abusiva fosse alguma decisão de suas respectivas supremas cortes?

    Pois aqui no Brasil muitos adversários do atual governo celebram a pressão  de Trump sobre o Brasil. Haverá prejuízos aos exportadores brasileiros? A culpa seria do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, a seu ver, não teria tido habilidade para negociar.

    Mas negociar o quê? O presidente da República não apenas precisa se manter distante de uma decisão do Judiciário, um Poder independente. Como também necessita ressaltar a soberania brasileira diante de exigência de um governo estrangeiro.

    Argumentam também os oposicionistas que a tarifa de 50% seria consequência da aproximação do governo brasileiro com os demais parceiros do Brics, especialmente a China, e da anunciada possibilidade de uso de outras moedas em seu comércio global.

    Existem mesmo muitas críticas à ampliação do Brics, com a inclusão de países de governos controversos, como o Irã. É bom lembrar, porém, que outros países do Brics, como a Índia e a própria China, não sofrem ameaças tão diretas como o Brasil.

    As ameaças vão funcionar? Muitos exportadores brasileiros vão perder dinheiro, com certeza. Assim como muitos consumidores americanos precisarão pagar mais por produtos aos quais já estão acostumados.

    O mais provável desdobramento, porém, será uma busca mais intensa do Brasil por novos parceiros econômicos. Em entrevista ao Financial Times, o assessor especial da Presidência da República para assuntos externos, Celso Amorim, anunciou o roteiro.

    “Os ataques estão reforçando nossa relação com o Brics, porque queremos ter relações diversificadas e não depender de nenhum país”, disse Amorim. A seu ver, a interferência de Trump em assuntos domésticos brasileiros nunca foi vista “nem em tempos coloniais”.

    Caso Lula realmente decida dar mais uma guinada à esquerda e aprofundar as relações com os demais países do Brics, grupo que atualmente preside, é certo que sofrerá pesadas críticas – principalmente dos que o consideram culpado pelas tarifas.

    É presido lembrar, porém, que Trump não quer conversa com o Brasil. Ele sequer tem um embaixador em Brasília. Por mais que tentem, autoridades brasileiras, como o vice-presidente Geraldo Alckmin, não encontram canais de comunicação suficientes.

    E, por ironia do tempo, isso acontece poucos dias depois de os países do Brics, durante a cúpula do Rio de Janeiro, haverem anunciado o início de estudos para o estabelecimento de uma rede de cabos submarinos que lhes permitam comunicação direta – sem passar pelos Estados Unidos.

    Sem linha direta com os EUA, não há como estabelecer uma rota de negociação. As decisões do Supremo não estão sobre a mesa. Mas sempre há espaço para se buscar um entendimento, desde que as duas partes estejam interessadas no acordo.

    Para isso, o primeiro passo seria o estabelecimento de uma pauta de negociações, como Washington fez com seus parceiros preferenciais, como o Japão e a União Europeia. Até agora, nem isso foi feito.

    Pois os dias passam rápido, e a contagem regressiva está em andamento. Na segunda-feira uma declaração de Trump abriu uma fresta de esperança. Depois do acordo com a União Europeia, anunciou, “todo o resto do mundo” ficaria com tarifas entre 15% e 20%.

    O Brasil está nessa turma? Ou será considerado um caso à parte? Tarifas de 15%, como lembraram os líderes da Alemanha e da França, já trazem danos consideráveis. Mas são três vezes menores do que as anunciadas até aqui para o Brasil.

    Caso os 50% sejam mesmo confirmados, será um ataque direto à soberania do país e à economia brasileira. Quem estiver de acordo com a (possível) decisão de Trump pode desfilar pelas ruas enrolado na bandeira dos Estados Unidos. Como, aliás, gostam de fazer os “patriotas” de Bolsonaro.

     

    Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.