A revista The Economist foi certeira ao classificar o presidente Lula como “incoerente no exterior” e “impopular em casa”. Também destacou que, ao se alinhar a um BRICS dominado por China e Rússia, o Brasil “parece cada vez mais hostil ao Ocidente”. Dias depois, a reunião do bloco no Rio de Janeiro confirmou o diagnóstico. O discurso do presidente e a declaração final do encontro evidenciaram que a política externa brasileira se deslocou do seu papel tradicional de equilíbrio e perdeu sintonia com o mundo real.
Lula criticou o aumento dos gastos militares da OTAN e questionou a imparcialidade da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), revelando desconfiança em relação às instituições multilaterais sob influência euro-americana. Sua crítica à OTAN foi maquiada por uma retórica pacifista — defendeu que os recursos deveriam ser usados para combater a fome —, mas ignorou fatores cruciais que explicam a nova postura militar do Ocidente.
A primeira é a desconfiança crescente, entre os aliados dos EUA, de que não podem mais contar com o compromisso americano de defesa mútua. A presidência de Donald Trump, com sua política isolacionista, acentuou esse temor. Alemanha e Japão, por exemplo, estão sendo forçados a rearmar-se, após décadas de baixa despesa militar, justamente por perceberem que o “guarda-chuva estratégico” de Washington já não é confiável. Soma-se a isso a guerra comercial desencadeada por Trump, que tem desorganizado cadeias produtivas globais profundamente entrelaçadas e fragilizado a ordem liberal que os próprios americanos ajudaram a construir.
Ignorar esse contexto enfraquece a retórica de Lula e compromete sua pretensão de neutralidade. Ao condenar os gastos defensivos da OTAN, ainda que indiretamente, o presidente brasileiro presta um serviço involuntário a Vladimir Putin. Desde o início da guerra, insiste em equiparar o país agressor e o agredido. A declaração final da cúpula do BRICS seguiu esse padrão: condenou ataques ucranianos em território russo, mas manteve silêncio absoluto sobre a invasão que deu origem ao conflito. Neutralidade, nesse caso, se confunde perigosamente com omissão.
Algo semelhante ocorre na crítica à AIEA. A acusação de parcialidade beneficia, ainda que implicitamente, o Irã, que pode avançar em seu programa nuclear longe do escrutínio internacional. Isso representa uma ameaça real à segurança de Israel — cujo direito à existência foi paradoxalmente reconhecido na mesma resolução do BRICS — e pode deflagrar uma escalada geopolítica de consequências imprevisíveis.
O BRICS deixou de ser apenas um consórcio econômico. Tornou-se uma plataforma de contestação à ordem liberal global — justamente num momento em que essa ordem se enfraquece não apenas por pressões externas, mas também por contradições internas das potências ocidentais. A ampliação do bloco, a criação de alternativas ao FMI e o estímulo ao uso de moedas locais nas transações internacionais fazem parte desse novo jogo geopolítico, em que o Brasil se apresenta de forma ambígua, hesitante e ideologicamente enviesada.
Essa nova postura cobra um preço alto. O papel do Brasil no grupo se reduz; sua voz internacional soa cada vez mais irrelevante. Ao lado de regimes autoritários, o país compromete décadas de tradição diplomática baseada na moderação, na autonomia e na construção de consensos. Críticas ao Ocidente são legítimas — especialmente quando o próprio Ocidente se mostra desorganizado e vulnerável. Mas, quando essas críticas vêm acompanhadas de silêncio conivente diante de autocracias, perdem força moral e credibilidade.
O Brasil não apenas se alinhou a um bloco em mutação — deixou de ser ouvido como mediador confiável. Lula tornou-se um ator fora de compasso. O problema não está só no que se diz — mas, sobretudo, no que se escolhe calar.
Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação