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    Veja quais setores dos EUA tentam negociar tarifas sobre o Brasil

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    O iminente tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que está previsto para entrar em vigor em 1º de agosto, acendeu um alerta em setores estratégicos da economia dos Estados Unidos. Longe de uma ofensiva consensual contra o Brasil, a medida provoca resistência interna, mobilizando pequenas empresas agrícolas, big techs e indústria aeronáutica, que tentam frear a proposta nos bastidores.

    A tarifa anunciada ao Brasil é a mais alta entre os países afetados pelas chamadas “tarifas recíprocas“.

    Trump justificou a decisão alegando que o governo brasileiro estaria promovendo “ordens de censura secretas e injustas” contra plataformas de mídia social dos EUA.

    Ele ainda mencionou o que chamou de “caça às bruxas” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, sugerindo que a política interna brasileira estaria violando princípios de liberdade de expressão e afetando interesses norte-americanos.

    A retórica, no entanto, vem sendo questionada por associações empresariais americanas, que veem desvio de finalidade e risco real para cadeias produtivas bilaterais.

    Especialistas ouvidos pelo Metrópoles avaliaram como está o andamento desta tentativa em mediar e destravar o imbróglio — visto que a imposição das tarifas é uma desvantagem para ambos os lados.

    Commodities em xeque: café, carne e suco sob ameaça

    Empresas importadoras de produtos agrícolas lideram a resistência.

    Com o Brasil respondendo por 70% do suco de laranja, 30% do café e 9% da carne bovina que entram nos EUA, o setor teme aumento imediato nos preços ao consumidor e riscos de desabastecimento.

    Nesta semana, as companhias Johanna Foods e Johanna Beverages recorreram ao Tribunal de Comércio Internacional, em Nova York, pedindo a suspensão das tarifas, alegando que o presidente excedeu seu poder ao atrelar a política comercial a fatores políticos.

    “A tarifa deverá ser suportada pelo comprador americano, que pagará mais caro e terá menor competitividade”, explica Leonardo Briganti, tributarista.

    A Câmara do Comércio Americana e a Amcham Brasil divulgaram nota alertando que a tarifa pode afetar 6.500 pequenas e médias empresas nos EUA.

    Taxação de 50%

    • O Brasil foi incluído na lista dos países que pagarão a tarifa máxima, prevista para entrar em vigor a partir de 1º de agosto.
    • O governo norte-americano justificou a medida citando a postura do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e determinou ainda a abertura de uma investigação sobre possíveis restrições a empresas de tecnologia dos EUA e outras práticas consideradas injustas no comércio bilateral.
    • As medidas são parte de uma estratégia mais ampla do governo para pressionar parceiros comerciais a abrir seus mercados e ajustar políticas consideradas desfavoráveis aos interesses dos EUA.

    Aço, petróleo e aviões: efeito bumerangue nas indústrias

    O impacto também atinge setores industriais mais pesados.

    A indústria siderúrgica dos EUA importa ferro semi-manufaturado do Brasil, essencial para diversas cadeias produtivas.

    Só em 2024, foram US$ 5,4 bilhões em produtos siderúrgicos brasileiros. A substituição, segundo especialistas, é inviável no curto prazo.

    No setor aeronáutico, empresas que operam com aviões da Embraer, como companhias aéreas e fabricantes de peças, estimam alta de até US$ 9 milhões por aeronave caso a tarifa entre em vigor.

    Na visão do advogado internacionalista, Julian Dias Rodrigues, o lobby do setor já pressiona o Congresso americano por uma solução diplomática.

    Também preocupado, o setor de petróleo e gás vê risco de aumento de preços e incertezas nas cadeias de fornecimento.

    6 imagensBolsonaro e TrumpPresidente dos EUA, Donald TrumpO presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL)Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o presidente dos Estados Unidos, Donald TrumpLula e TrumpFechar modal.1 de 6

    Bolsonaro e Trump

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    Bolsonaro e Trump

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    Presidente dos EUA, Donald Trump

    Kevin Dietsch/Getty Images4 de 6

    O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL)

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    Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump

    Lara Abreu / Arte Metrópoles 6 de 6

    Lula e Trump

    Arte/Metrópoles

    Big Techs pressionam contra o Brasil

    Em outra frente, Google, Amazon e Apple apoiam uma investigação formal da USTR (Representação Comercial dos EUA) contra o Brasil, sob alegação de que o Pix e as regras digitais brasileiras dificultam o comércio.

    No entanto, o temor da retaliação brasileira também assombra esses grupos, que temem quebra de patentes ou restrições a serviços no país.

    Legalidade da tarifa é questionada

    A fragilidade jurídica da medida é outro ponto explorado por empresas americanas.

    Segundo Lessandra Araújo, especialista em direito empresarial, a ação de Trump pode ser considerada inconstitucional por carecer de fundamentação econômica legítima.

    “A tarifa está sendo usada como instrumento de pressão política, e isso fere os princípios do comércio internacional”, afirma.

    A alegação de interferência no julgamento de Bolsonaro é vista como desconectada das regras comerciais multilaterais, como o GATT e o DSU, que norteiam a atuação dos EUA na Organização Mundial do Comércio (OMC).

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    Brasil responde com retórica, mas sem articulação

    Do lado brasileiro, a resposta tem sido mais política do que estratégica.

    O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), classificou a carta de Trump como tentativa de interferência e ataque à soberania nacional, mas não há diálogo diplomático formal em andamento.

    Para Juliano Lara Fernandes, gestor da Armada Asset, o Brasil está reagindo “mais por impulso do que com método”.

    “O temor é por retaliação do governo brasileiro que ameaça promover uma quebra de patentes. A ação das empresas americanas tenta adicionar pressão no governo Trump ao mostrar as consequências das medidas para sua própria população e economia”, avalia.

    Projeções econômicas para o Brasil são negativas

    Se implementada, a tarifa pode provocar retração de até 1,2% no PIB brasileiro, segundo estimativas do setor produtivo.

    De acordo com Leonardo Briganti, especialista em Direito Tributário, estima-se ainda a eliminação de 110 mil empregos e perdas acumuladas de até R$ 175 bilhões em exportações na próxima década.

    Setores como máquinas, madeira, fertilizantes e equipamentos industriais já registram queda nos embarques para os EUA.

    A depender do desfecho, o impacto pode se espalhar para áreas mais vulneráveis das cadeias produtivas, agravando desigualdades regionais e aumentando a informalidade.