Um adolescente de 17 anos que também enviou ameaças para o youtuber Felipe Bressanim Pereira, o Felca, após o influencer denunciar a adultização de crianças na internet, é apontado pela Polícia Civil de São Paulo como “dono” de um grupo em um aplicativo de mensagens responsável por orquestrar atentados contra pessoas em situação de rua.
O adolescente agia em parceria com Cayo Lucas Rodrigues dos Santos, de 22 anos, preso em Olinda (PE) na segunda-feira (25/8) e considerado pela polícia um “membro proeminente” de uma organização criminosa chamada “Country”.
A célula criminosa coordenada pelo adolescente para atacar pessoas em situação de rua tem membros investigados pelas polícias de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, Pará, Pernambuco e do Distrito Federal.
Adolescente obrigou vítima a se cortar e escrever com sangue
Reprodução/Polícia Civil
Jovem afrodescendente fazia apologia à “supremacia branca”
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Apologia ao nazismo é um dos diversos crimes atribuídos ao adolescente
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A ação conjunta entre as forças de segurança de seis estados e do Distrito Federal resultou, em julho deste ano, na segunda fase da Operação Nix que, além dos ataques a moradores de rua, também investigou os responsáveis por promover violência contra animais em situação de abandono.
Todo o levantamento policial sobre o grupo — que integra uma organização criminosa fomentadora de tortura, violência sexual, entre outros crimes na esfera virtual — começou em novembro do ano passado, por meio do Núcleo de Observação e Analise Digital (Noad), da Secretaria da Segurança Pública (SSP) paulista.
A investigação, que segue em sigilo, mostra o submundo, frequentado por jovens, no qual as redes sociais Discord e Telegram, majoritariamente, são usadas como campo de ação para os crimes. E, segundo a polícia, a articulação virtual entre os criminosos derrubou fronteiras. Em um dos casos investigados, o Metrópoles mostrou que um jovem brasileiro, residente na França, financiava os ataques a moradores de rua no Brasil.
Cayo praticava crimes a ele atribuídos em um quarto
Reprodução/Polícia Civil
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Criminosos divulgavam ‘serviços” nas redes sociais
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Criminosos divulgavam ‘serviços” nas redes sociais
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Preso por ameaçar Felca seria líder de organização criminosa que atua na internet
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Cayo fala sobre mandado de prisão frudulento que expediu contra Felca
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“São ações extremamente absurdas em que, muitas vezes, os pais [de jovens envolvidos nos crimes] não têm ideia que ou o filho é o idealizador dessa violência, manipulando as vítimas a realizarem os ataques, ou o filho é a própria vítima”, destacou Lisandréa Salvariego, delegada e coordenadora do Noad, na ocasião da segunda fase da Operação Nix.
Nazismo e violência
Além de promover os ataques a moradores de rua, o adolescente, que é afrodescendente, também realizava apologia à ideologia nazista e à “supremacia branca”. Segundo a polícia, ele induzia vítimas a se automutilarem e, em alguns casos, a usarem o próprio sangue para escrever frases de cunho racista como “morte aos negros”, ao lado de suásticas.
As investigações indicam que, no perfil usado por ele, constava uma imagem do líder nazista Adolf Hitler. A lista de crimes atribuídos ao adolescente é grande. Veja abaixo:
- Exploração de menores: distribuição e comercialização de vídeos e fotos íntimas de menores, configurando pornografia infantil;
- Estupro virtual: coação de vítimas para a realização de atos sexuais por meio de plataformas digitais;
- Indução, instigação e auxílio à automutilação: incentivo a adolescentes para praticarem automutilação, com uso de “plaquinhas” contendo o codinome do adolescente em fotos de automutilação;
- Ameaças e “doxxing”: exposição de dados pessoais de vítimas para intimidação e coerção;
- Violência contra animais: atos de crueldade contra animais documentados em vídeos e fotos;
- Apologia ao regime nazista: divulgação de símbolos, mensagens e ideologias nazistas, incluindo a frase “morte aos negros!” e suásticas escritas com sangue. Ele também postou uma imagem exibindo vestes militares ao lado de uma bandeira com simbologia nazista.
Ameaças a influencer e psicóloga
Cayo e o adolescente são monitorados desde o segundo semestre do ano passado, período em que praticaram crimes, incluindo extorsão de vítimas e cobrança de valores de “clientes” para invadir sistemas oficiais, entre eles o do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), da Polícia Civil, da Justiça e da Receita Federal, além do Serasa.
Por também fomentar crimes sexuais, a organização criminosa liderada por Cayo sentiu-se incomodada com o vídeo-denúncia de Felca, que revelou casos de pedofilia e de adultização de crianças e adolescentes na internet.
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O conteúdo produzido por Felca resultou na prisão do influenciador Hytalo Santos, no último dia 15, por tráfico humano e exploração sexual infantil. Como reação, o grupo de Cayo Lucas e do adolescente ameaçou Felca por e-mail.
A dupla também ameaçou de morte a psicóloga Ana Dornellas Chamati e familiares após entrevista da profissional ao influencer. As ameaças foram enviadas por Cayo, via WhatsApp, e pelo adolescente, via e-mail.
“Você vai morrer, sua vagabunda do caralho. Você mexeu em um ninho de abelhas, vamos matar você e sua família se o Felipe Bressanim Pereira [Felca] não apagar o vídeo.”
Na mesma ameaça, após citar o número de CPF da mãe da psicóloga, os criminosos afirmaram que iriam “desferir múltiplos golpes de faca na traqueia” da mãe de Ana, além de “estuprá-la com um pedaço de ferro quente”. “Vou torcer seu pescoço e beber o seu sangue. Nos aguarde.”
Mandado de prisão contra Felca
Além da ameaça a Felca, o monitoramento da Polícia Civil mostrou que Cayo Lucas usou o codinome F4llen para compartilhar um malote digital fraudado da Justiça solicitando a expedição de um mandado de prisão preventiva contra o influenciador.
O pedido de prisão foi inserido pelo hacker no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), segundo levantamento do Núcleo de Observação e Análise Digital (NOAD), da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, ao qual o Metrópoles teve acesso.
Apesar disso, o CNJ afirmou, em nota encaminhada à reportagem, que o grupo liderado por Cayo não conseguiu acessar o BNMP. “Não houve invasão, tampouco qualquer inserção de documento no sistema.”
Essa foi uma entre inúmeras práticas criminosas atribuídas a Cayo Lucas para manipular sistemas governamentais. Segundo a polícia, o grupo criminoso recorreu ao mesmo expediente, inclusive, para prejudicar um “cliente” que não teria pagado o valor combinado por um serviço ilegal.
A publicidade desses crimes era feita por meio das redes sociais de Cayo Lucas.