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    Como análise comportamental ajuda a desvendar crimes misteriosos em SP

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    No processo para desvendar crimes violentos e misteriosos, a Polícia Civil de São Paulo utiliza uma série de táticas. Uma delas é o método de perfilamento criminal, muito comum no exterior, mas recente no Brasil. No maior estado do país, o Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) implementou um laboratório pioneiro que já vem mostrando resultados.

    Criado no ano passado pela diretora do DHPP, Ivalda Aleixo, o Núcleo de Análise Comportamental e Criminal (NACC) é formado por psicólogos, perita, investigadores e delegadas. A equipe estuda cenas de episódios brutais e principalmente a conduta de suspeitos para dar apoio às linhas de investigação.

    5 imagensIvalda Aleixo, diretora do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP)Delegada Luciana Anjos TerriblliEquipe é multidisciplinarSala para atendimento de criançasFechar modal.1 de 5

    Núcleo de Análise Comportamental e Criminal, da Polícia Civil

    Rodrigo Freitas/Metrópoles2 de 5

    Ivalda Aleixo, diretora do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP)

    Rodrigo Freitas/Metrópoles3 de 5

    Delegada Luciana Anjos Terriblli

    Rodrigo Freitas/Metrópoles4 de 5

    Equipe é multidisciplinar

    Secretaria de Segurança Pública/Divulgação 5 de 5

    Sala para atendimento de crianças

    Rodrigo Freitas/Metrópoles

     

    O que é perfilamento criminal

    No dia a dia, a resolução dos crimes funciona a partir de uma tríade: autor, cena e vítima. Com uma análise mais comportamental, os especialistas tentam entender cada detalhe dos envolvidos para elucidar os casos, como compartilha Ivalda “Entender a vítima é muito importante”, ressalta a diretora do DHPP.

    O investigador e criminólogo Lucas Martins explica que a técnica de perfilamento surgiu há cerca de 50 anos e já tem algumas vertentes pelo mundo. No núcleo do DHPP, eles observam o crime por meio de um olhar comportamental.

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    “Quando a gente pensa em crime, principalmente crimes contra a vida ou contra a dignidade sexual, todos os atores são pessoas, seres humanos”, avalia. “O objetivo do perfilamento criminal é tentar entender o comportamento do autor, e fazer a vitimologia, que é entender sobre a vítima, e entender o comportamento da cena de crime”, completa Martins.

    Para ele, a técnica serve como um filtro investigativo para diminuir o número de suspeitos, além de ganhar tempo e qualidade nas apurações. Trata-se de um dossiê do conjunto de características e gostos de quem pode ser responsável por um incidente, inclusive com objetos apreendidos, uma espécie de diário de um serial killer.

    Coordenadora da equipe, a delegada Luciana Anjos Terriblli esclarece que, no núcleo, os analisados passam por testes psicológicos.

    Para a concretização do núcleo, a equipe teve consultoria do psicólogo criminal Christian Costa. No início, em fase de teste, o núcleo reabriu um caso que ocorreu há 10 anos: a morte de Victoria Natalini, estudante que desapareceu e foi encontrada morta durante uma excursão escolar em uma fazenda em Itatiba, no interior do estado. “Eles se debruçaram nas 3.600 páginas do inquérito, e ficaram, me deram um perfil”, relembra Ivalda.

    A técnica de perfilamento, que soma forças com a investigação tradicional, pode ser usada principalmente em suspeitos, mas também em testemunhas e até vítimas, inclusive em crianças. No laboratório do DHPP, há uma sala pensada especialmente para entrevistas e procedimentos aplicados aos pequenos.

    “Na divisão de homicídios [do DHPP] são várias equipes, e na divisão de proteção à pessoa, os crimes em que mais se utiliza o perfilamento são os de abuso contra crianças e adolescentes”, revela a diretora.

    Para o futuro, a meta que é o Núcleo de Análise Comportamental e Criminal seja cada vez mais ampliado e passe a usar, inclusive, mais ferramentas de auxílio tecnológico.

    Casos desvendados com análise comportamental em SP

    Com o apoio da análise comportamental, a equipe descartou, por exemplo, a possibilidade de latrocínio no caso da professora Fernanda Bonin. Em abril deste ano, ela foi encontrada morta com sinais de estrangulamento, na zona sul. A vítima desapareceu após ser chamada pela ex-esposa, Fernanda Fazio, para ajudá-la com o carro, que supostamente havia quebrado na Avenida Jaguaré.

    “Era roubar o carro ou era matá-la? E foi premeditado ou não foi? Eles vão, veem a cena do crime e vão pro local. Aí eles olham que não é um lugar ermo, embora longe e difícil de chegar. As pessoas passavam ali, qualquer um podia ver”, relembra Ivalda.

    Depois, a investigação concluiu que se tratava de uma emboscada. A ex-mulher presenciou o momento em que a professora foi abatida por suspeitos que ela mesma contratou para o homicídio.

    Também em abril, após a morte brutal da estudante Bruna Oliveira, com base na análise comportamental, a equipe detalhou características do autor do crime: um possível predador sexual e morador da zona leste, pela facilidade de transitar na região. O corpo da mestranda da Universidade de São Paulo (USP) foi encontrado em um estacionamento na Vila Carmosina depois que um homem a abordou perto da estação Corinthians-Itaquera.

    No caso do empresário Adalberto Amarilio Junior, localizado morto em junho dentro de um buraco de obra no Autódromo de Interlagos, a equipe do DHPP usou a análise comportamental em um suspeito, que passou, então, a ser testemunha. Ele era um amigo da vítima e havia sido a última pessoa a vê-la com vida.

    “Não que ele fosse o autor, mas ele estava escondendo alguma coisa. Ele veio e, na entrevista, nós detectamos que realmente ele é uma pessoa extremamente tímida. Ele procurava se enturmar. Então, talvez aquele grupo de motos fosse uma forma. Força física, talvez, ele não tivesse para o tipo de morte ali e não teria motivos [para matar o amigo], entre outras coisas que nós descobrimos ali na psicologia”, diz Ivalda. “Falamos também com a esposa, para saber melhor quem era a vítima, e foi bem interessante.”

    Posteriormente, o DHPP constatou que os principais suspeitos de assassinarem Adalberto são cinco seguranças que trabalharam em Interlagos no dia do crime. A investigação apontou inclusive que eles apagaram dados dos próprios celulares.

    Outro exemplo da atuação do laboratório de perfilamento criminal, de 2024, envolveu a morte de dois homens homossexuais que conheceram um assassino em série por meio de aplicativo de relacionamento. “Um deles tinha um parceiro fixo, outro não. Nós analisamos que eles tinham sido asfixiados, um utilizando-se de um cadarço, outro, de uma guia dessas que prendem cachorro”, compartilha Luciana Anjos Terriblli.

    “Quando começamos a verificar, pode-se dizer, essas coincidências entre os crimes, [percebemos] trata-se muito possivelmente da mesma pessoa. Durante essa investigação, foi-se criando um perfil sem inicialmente saber quem era o autor, mas sabendo as características dele, idade aproximada, o modus operandi”, acrescenta a delegada.