Quem viveu a crise hídrica dos anos de 2014 e 2015 se assustou com a informação de que a Sabesp deverá iniciar, a partir desta quarta-feira (27/8), a redução da pressão do fornecimento da água no período noturno até a recuperação dos níveis dos reservatórios que abastecem a Região Metropolitana de São Paulo, incluindo a capital paulista. Na prática, moradores das áreas mais elevadas e que não contam com caixa d’água poderão sofrer mais com o desabastecimento durante a noite.
Mas o que levou a essa situação? Segundo a Agência Reguladora de Serviços Públicos de São Paulo (Arsesp), a região tem enfrentado “uma sequência de anos com chuvas abaixo da média e a atual condição dos reservatórios no que diz respeito ao percentual de volume útil demanda atenção”.
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Segundo a Arsesp, os reservatórios que abastecem a Grande São Paulo têm vivido situação parecida com a enfrentada em 2021. Entretanto, a análise aponta que o cenário é melhor do que aquele vivido em 2014, quando a grande crise hídrica teve início levando ao racionamento de água à população.
Nessa terça-feira (26/8), o conjunto dos mananciais, chamado Sistema Integrado Metropolitano (SIM), tinha 38,2% de sua capacidade total. Maior deles, o Cantareira contava com 35,7%. Nessa mesma época do ano, em 2021, os reservatórios tinham 43,6%, com o Cantareira apresentando 37,1% de seu volume.
Como comparação, o SIM tinha apenas 12,5% da capacidade total no fim de agosto de 2014, em plena crise hídrica, com o Cantareira operando no volume morto desde maio, com -6,9%. A situação ainda iria piorar nos meses seguintes.
Até a publicação da reportagem, a Sabesp ainda não tinha definido quais áreas seriam mais afetadas pela redução de pressão noturna. Essa definição deverá ser apresentada ainda nesta quarta, com alerta aos moradores da região metropolitana. A Arsesp pede uma redução de pressão ao longo de 8 horas durante a noite.
A estimativa é a de que a redução de pressão gere uma economia de 4 metros cúbicos por segundo. O conjunto de reservatórios que abastece a Grande São Paulo produz, atualmente, quase 73 m³/s no total. A diminuição na pressão das redes seria equivalente ao que é fornecido pelo sistema Rio Claro, responsável por suprir parte da zona leste paulistana.
Quem vai operar a redução de pressão é a Sabesp, que foi privatizada em julho do ano passado pelo governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Como funciona a redução de pressão
- A redução de pressão é a diminuição do volume de água na rede de abastecimento. Isso ajudaria a diminuir a perda física de água, que és, grosso modo, o volume que vaza pelos canos no trajeto entre a estação de tratamento e os imóveis.
- Especialista com mais de 50 anos de experiência em saneamento e ex-diretor da Sabesp, João Jorge da Costa explica que o consumo cai à noite e, por isso, a rede de abastecimento fica cheia, com uma pressão estática.
- “Resulta numa pressão muito maior. E a perda é proporcional à pressão”, afirma.
- Segundo ele, isso pode provocar alguns transtornos. “Você tem que calcular direitinho, porque, às vezes, num lugar mais alto, ao invés de ter reduzido a pressão, você não vai ter pressão nenhuma”, afirma.
- Esse tipo de problema aconteceu com frequência em bairros como Jardim Ângela, na zona sul, e Brasilândia, na zona norte, por exemplo, durante a crise hídrica de 2014-2015.
- Mesmo após esse período crítico, muitos moradores de bairros da periferia da capital paulista passaram a enfrentar o desabastecimento noturno, principalmente nos pontos mais altos.
- Desde que teve início esse tipo de manobra, o governo estadual sempre disse que quem tem caixa d’água não deveria sentir os efeitos da redução de pressão.
- A expressão “redução de pressão” surgiu com forma de evitar que o governo estadual, na ocasião sob comando do atual vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), então no PSDB, trata-se a situação como um racionamento de água no período eleitoral.
Nova crise hídrica?
O volume de chuvas nos últimos meses tem ficado abaixo das médias históricas para o período, o que acendeu o sinal de alerta da Sabesp. Por exemplo, o Cantareira tem média mensal de 34,2 mm em agosto, mas praticamente não choveu até essa terça — 0,5 mm, no total. Em menor proporção, a situação se repete em outros reservatórios.
O cenário para os próximos meses é nada promissor. Segundo especialista em gestão de recursos hídricos Antônio Carlos Zuffo, que é professor da Unicamp, teremos pelo menos mais um mês de tempo seco. Caso venha La Niña, fenômeno que esfria as águas do Oceano Pacífico, o regime de chuvas deverá atrasar em mais dois meses, pelo menos.
Zuffo também chama a atenção para outro fenômeno que ocorre em períodos específicos, coincidindo com cheias no Sul e seca no Sudeste. Trata-se do Ciclo de Shwabe. Ele aponta que a atividade solar máxima ocorreu entre 2001 e 2003, com apagão energético por falta de água nos reservatórios, repetindo em 2014 e 2015, com a crise hídrica paulista. Isso se repetiria agora, em 2025, segundo um gráfico apresentado pelo professor.
“Um ciclo de 11 anos. Onde tem a mancha, o sol é mais ativo, ele emite mais energia. Você tem uma correlação direta”, afirma Zuffo. “Com essa possibilidade de estarmos no máximo do Ciclo de Shwabe, e se ele for realmente correlacionado à crise, então nós estamos na iminência de ver a situação piorando daqui pra frente. Mas isso não é uma certeza”, diz.
Segundo Zuffo, ao longo do ano, a carga de chuvas foi pequena e, por isso, os volumes armazenados, inclusive no subsolo, são insuficientes para abastecer a contento as represas. “Agora, nós estamos sentindo a falta dessas vazões desse reservatório, impactando o abastecimento”, diz. O professor da Unicamp prevê que cidades do interior paulista também devam começar a sofrer com racionamento a partir de setembro.
Sistema mais resiliente
Em comparação com período da crise hídrica, os sistemas que abastecem a Grande São Paulo estão agora mais interligados, o que garante aquilo que especialistas chamam de resiliência do sistema. É possível, por exemplo, expandir o total de domicílios abastecidos por um determinado reservatório em melhor situação, caso o original esteja mais vazio.
Uma das principais obras foi a inauguração do Sistema São Lourenço, em 2018, que buscou água a 70 km da capital e hoje abastece cerca de 2 milhões de consumidores em oito cidades. Custou R$ 3,5 bilhões. Outra solução criada após a crise hídrica foi a possibilidade de transposição de água da bacia do Rio Paraíba do Sul, que abastece o Rio de Janeiro, para socorrer o Sistema Cantareira.