O debate sobre exploração infantil nas redes sociais, que ganhou espaço no debate público depois da denúncia sobre “adultização” pelo youtuber Felca, também levanta dúvidas sobre como pais e responsáveis podem denunciar crimes na web. Em entrevista ao Acorda Metrópoles, a delegada da Polícia Federal (PF) Rafaella Vieira explicou como levar esses casos às autoridades.
Segundo a delegada, que é responsável pela área de combate a crimes de exploração sexual infantil em ambiente cibernético, o primeiro passo é sempre manter provas do crime que possam auxiliar na investigação.
Rafaella reconhece que muitos pais, ao identificarem um abusos contra seus filhos nas redes sociais, tendem a apagar documentação cruciais para as autoridades, e acabam não levando o caso às autoridades.
“Muitas pessoas querem o que? Apagar tudo, ‘esquece’. E isso é muito ruim para nós da polícia, é muito ruim para nós que fazemos políticas públicas. Existe uma pesquisa da Datafolha que cerca de 11% dos crimes sexuais chegam ao conhecimento da autoridade policial. Isso é péssimo, porque ficamos sem saber. Não conseguimos combater da melhor forma possível”, afirma.
A delegada aconselha que, ao se deparar com esse tipo de situação, o ideal é preservar todas as informações. “Muitos pais apagam tudo e noticiam o crime. E a gente não consegue fazer nada”, relata.
“Sem os elementos de informação, a gente não consegue chegar até esse abusador. Então, preserve e procure a unidade policial mais próxima- seja Polícia Federal, seja Polícia Civil, seja os canais de denúncia que existem no ambiente cibernético”, afirma.
No ambiente digital, a delegada cita ao menos dois canais de denúncia, em que pais e responsáveis podem entrar em contato com autoridades para relatar possíveis crimes: o disque 100 e o Comunica PF.
“Depois que acontece isso é difícil, é um desgaste para a criança, para a família, registrar o fato, porque isso tem que ir para frente. Mas, ao mesmo tempo, se você não faz isso, o abusador cibernético não tem uma vítima só, ele tem inúmeras outras crianças. Se a gente não romper esse ciclo criminoso desse abusador, ele vai continuar fazendo com outras crianças e adolescentes”, pontua.
Como mostrou a coluna, autoridades que lidam com casos de combate a cibercrime contra crianças e adolescentes tendem a ser unânimes sobre a necessidade da prevenção desse tipo de violação.
Especialistas apontam como essencial o controle parental de atividades online dos filhos como estratégia para evitar que crianças nas redes sociais estejam expostas a criminosos e aliciadores.
Tal visão é compartilhada por Rafaella, que aponta para a importância de um canal de comunicação com os filhos, explorando canais de diálogo aberto, além do ensino de uma “criticidade” com relação à abordagem de pessoas on-line.
“As crianças precisam ser críticas. Então, se a pessoa se aproximou de mim, está me elogiando, me prometendo coisas, está pedindo uma imagem íntima… Por quê? Quem é essa pessoa? Será que é isso mesmo? Então essa criticidade tem que ser ensinada, desde crianças pequenas”, ressalta.
Nas estratégias de prevenção da delegada, também está incluído o monitoramento ativo dos pais: “O pais precisam saber que tipo de aplicativo [os filhos estão usando], com quem ele está conversando, e o que ele está conversando. Essa privacidade é relativa. Criança e adolescente tem privacidade até um certo ponto”, afirma.
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Aliciamento em 2 minutos
Na mesma entrevista, a delegada Rafaella Vieira também relatou o caso, investigado pela Polícia Federal, de uma criança de 9 ano que criou um perfil em rede social. Em dois minutos, ele já havia sofrido tentativas de aliciamento.
“Era nitidamente criança, com fotos infantis, nada de imagens sensualizadas […] Não demorou dois minutos para ela ser aliciada por homens adultos. Dois minutos”, afirma.
“Nós temos até um documentário sobre isso, que mostra que não precisa nem de imagem sensualizada para ter uma abordagem de aliciamento sexual nessas redes sociais. Homens abordando, mandando imagens pornográficas e tentando se aproxima e iniciar o processo de sedução que antecede o estupro virtual”, complementa.
Como mostrou a coluna, cibercrimes envolvendo jovens na internet tem cada vez mais acendido um alerta das autoridades, que veem um crescimento desses casos em redes como o Discord, mas também em plataformas alternativas e ambiente de jogos virtuais – que muitas vezes passam ao largo de moderações.
A Polícia civil de São Paulo, por exemplo, monitora atualmente cerca de 702 suspeitos de cibercrime, além de contabilizar 148 vítimas salvas por operações e monitoramento das redes.
A PF também tem números altos de operações nesse sentido. No ano passado, segundo a corporação, foram mais de 2 mil inquéritos abertos sobre o tema, além de mil operações. Nesse ano, já são aproximadamente 1.200 inquéritos abertos.
Segundo a delegada Rafaella Vieira, a maior quantidade de operações hoje da PF é direcionada à área de combate ao abuso sexual infantil.
“O trabalho de repressão hoje é muito bem feito. Melhoramos muito a qualidade do trabalho para termos boas sentenças, que é o que nos interessa também dentro desse processo de criminalização desse tipo de conduta”, afirma.