O jornalista Jeldean Alves Silveira, de 35 anos, entrou com uma ação trabalhista contra a Câmara Municipal de São Paulo e a Fundação Padre Anchieta por dispensa discriminatória após ter sido demitido da TV Câmara em maio deste ano. Ele pede um valor de quase R$ 2 milhões de indenização.
Como mostrou o Metrópoles, o profissional foi desligado das funções após reclamação da vereadora Janaína Paschoal (PP) em relação a postagens no perfil privado de Alves nas redes sociais, em que ele aparece de roupa íntima.
Além da ação trabalhista, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) também abriu um inquérito civil para apurar o caso.
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Jeldean Alves atuava há 12 anos na Fundação Padre Anchieta, responsável pela TV Cultura. O órgão tem contrato com a Câmara Municipal para operacionalizar e produzir os conteúdos institucionais da Casa. O jornalista ocupava o cargo de editor-chefe da Rede Câmara.
Além de danos morais, Alves também incluiu outras questões trabalhistas na ação aberta na 72ª Vara do Trabalho de São Paulo, como diferenças salariais decorrentes de reajustes não aplicados e previstos nas Convenções Coletivas de Trabalho, pagamento de horas extras e abonos.
“Eu trabalhava muito na Rede Câmara, acreditava no projeto e tinha muito orgulho do que eu fazia. Foram anos em que me dedicava ao máximo e fazia muito mais do que era pago. E, no final, fui tratado desta forma. Então, só espero que a Justiça seja feita e eu volte a trabalhar em paz”, afirmou o jornalista ao Metrópoles.
Na conta pessoal do Instagram, o ex-funcionário costuma publicar fotos e vídeos em que aparece apenas de cueca ou sunga, com gestos “sensuais”. Não há conteúdos com nudez explícita. Ele foi demitido em maio deste ano após solicitação de desligamento assinada pelo presidente da Câmara, Ricardo Teixeira, depois de queixa feita por Janaína.
Na ação, Alves, que se identifica como homossexual, afirma que utiliza as redes sociais de forma privada, desde 2021, para “promover a diversidade e a autoaceitação”. A atividade também gerou parcerias com marcas de vestuário, para as quais ele passou a promover os produtos.
Em nota, a Câmara Municipal de São Paulo informou que ainda não foi intimada e, portanto, não possui informações sobre o assunto.
À reportagem, a vereadora Janaína Paschoal disse que não estava sabendo do inquérito. “Em virtude da delicadeza do assunto, vou falar à autoridade competente, quando notificada”, afirmou.
O Metrópoles entrou em contato com a Fundação Padre Anchieta. O espaço segue aberto para manifestação.
O que aconteceu
Em abril, a Mesa Diretora da Câmara Municipal criou o Conselho Editorial da Rede Câmara, composto por vereadores, representantes da comunicação da Câmara e da diretoria da Rede Câmara, além da assessoria da Presidência da Casa. O objetivo é dar diretrizes e auxiliar as equipes na produção de conteúdos.
O colegiado é presidido por Janaína Paschoal. Durante reunião do grupo realizada no dia 24 de julho, a parlamentar comentou sobre a situação, sem mencionar o nome do funcionário.
“Obviamente que não vou dizer nomes, não vou expor pessoas. Mas eu preciso pedir que aqueles funcionários que estejam na atividade aqui na Casa tenham cautela com a sua vida pessoal. Todos nós temos a nossa liberdade, nossa vida, mas não dá para ter alguém numa TV pública, por exemplo, fazendo striptease nas redes, ou se exibindo. ‘Ah, mas é na rede privada, no canal privado’. Desculpa, não dá”, afirmou Janaína na reunião.
“Incompatível”
A vereadora, que é jurista e docente da Faculdade de Direito da USP, afirmou, ainda, que a conduta “não é crime”, mas incompatível com quem atua em uma TV pública. Janaína Paschoal fez um “alerta” para que outros profissionais da Rede Câmara não façam publicações “impróprias” nos perfis pessoais.
“Sendo uma pessoa adulta, que não está atuando em redes infantis, não é crime. Mas é um comportamento incompatível. Então, quero deixar avisado antes. Se isso eventualmente acontecer, eu vou ter que pedir para a TV Cultura retirar a pessoa daqui. E se for um funcionário nosso, vai ter uma apuração, desculpa falar. Não dá. Tem coisa que não dá”, completou a vereadora.
Alves, que foi comunicado sobre a demissão em abril, afirma que não sabia do motivo do desligamento até a vereadora comentar sobre a situação na reunião.
Ele conta que estava trabalhando normalmente quando recebeu um documento com o pedido de demissão por parte da Presidência da Câmara. O ofício constava como parte interessada a vereada Janaína Paschoal.
“Ela criou esse conselho editorial e fez esse pedido. Não imaginava muito bem o que poderia ter sido, mas como ela expôs isso na reunião, algumas pessoas ligaram meu nome e acabou me expondo. Agora, juntando os pontos, acredito que tenha sido uma questão moral mesmo. Não sei, homofobia, alguma ideologia que ela não tenha visto compatível com a minha, além desse preconceito com o meu outro trabalho, que é a divulgação de marcas de roupa íntima masculina”, afirmou Alves.
O que dizem os envolvidos
- Ao Metrópoles, Janaína afirmou que não pediu diretamente a demissão do funcionário à TV Cultura, mas que reportou o caso à Presidência da Câmara.
- “Foi um caso específico, isolado, e já foi solucionado. Não posso falar nada além disso. Só achei importante registrar, para que não se repita. Não era funcionário da Câmara. Apenas prestava serviços aqui e foi afastado da Casa”, disse a vereadora.
- Questionada se a Câmara pode solicitar o desligamento de um colaborador por postar conteúdos desse tipo em perfis pessoais e privados na rede social, a assessoria da Presidência da Casa afirmou que, como contratante, a Câmara pode “solicitar à Fundação Padre Anchieta a substituição de qualquer profissional, a qualquer momento, de acordo com seus critérios”.
- Em nota, à época, a Fundação Padre Anchieta afirmou que o colaborador foi desligado em maio durante a gestão anterior da diretoria da instituição, “por reestruturação do quadro funcional”. A gestão da fundação mudou em 13 de junho.