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    Eficiência e justiça social no combate a fraudes

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    Bolsa Família, Farmácia Popular, Mais Médicos, Censo Escolar. Todos esses programas têm algo em comum: foram idealizados nos governos dos presidentes Lula e Dilma com o objetivo de redirecionar as prioridades do Estado brasileiro para redução da pobreza e das desigualdades.

    Mas há ainda uma outra característica que esses programas compartilham. Todos foram objeto de algum boicote ou até mesmo completa desestruturação durante o governo Bolsonaro.

    Vejamos o caso da fragilização do Cadastro Único do Governo Federal (CadÚnico), base de dados essencial para a adoção de inúmeras políticas sociais.

    Na gestão anterior, o procedimento de averiguação cadastral in loco deixou de ser priorizado, ao mesmo tempo em que se passou a aceitar novos cadastros no CadÚnico feitos por aplicativo, sem orientação de assistência social e sem prévia checagem de informações essenciais para a seleção de beneficiários, como a renda per capita familiar.

    O resultado de tal desarticulação foi o excessivo crescimento de famílias unipessoais às vésperas da eleição de 2022.

    Somente nesse ponto, de forma conservadora, a partir de auditoria da CGU, pode-se estimar impacto fiscal superior a R$ 20 bilhões/ano somente com pagamentos a pessoas inelegíveis.

    Um olhar mais atento não deixa escapar que esse processo se consolidou não necessariamente apenas pela eliminação dos programas ou exclusão direta de pessoas elegíveis por critérios transparentes e objetivos.

    Em várias situações o que ocorreu foi exatamente a supressão desses critérios ou, de maneira velada, a eliminação dos mecanismos de controle existentes.

    O resultado disso é intuitivo: ausência de controles estimula fraudes, desperdício e corrupção. Dito isso, a intuição não basta para detectar, responsabilizar e, por fim, propor redesenho dos mecanismos de controle.

    Perspicácia estratégica

    Diante desse cenário, a CGU tem buscado exercer seu papel. O controle, além de robustez técnica, também precisa de perspicácia estratégica.

    No início de 2023, auditorias conduzidas em programas sociais lançados em 2022, com fortes indicativos de fragilidades de desenho, também foram concluídas em nossa gestão.

    Os resultados negativos que evidenciamos são expressivos: Auxílio Taxista – 78% dos pagamentos foram irregulares (cerca de R$ 1,4 bi pagos indevidamente); Auxílio Caminhoneiro – 27% dos beneficiários eram inelegíveis (cerca de R$ 582 milhões de pagamentos irregulares).

    Outro ponto verificado foi a realização de empréstimos consignados no Auxílio Brasil – R$ 7,5 bilhões liberados no mês da eleição, com a consequência do público vulnerável exposto a endividamento excessivo com elevadas taxas de juros e comprometendo até 40% do benefício (à época, de R$ 600 mensais).

    Com relação ao programa Farmácia Popular, outra auditoria da CGU evidenciou que cerca de 18% (ou cerca de R$ 2,5 bilhões) de valores relativos a registros de vendas de medicamentos no âmbito do programa não tinham notas fiscais de aquisição, além do indício de registro de venda de medicamentos a pessoas falecidas da ordem de R$ 7,4 milhões.

    Por exemplo, desde 2018 não se verificava mais a documentação das farmácias credenciadas. Em função desses achados foi retomado o processo de renovação obrigatória anual do credenciamento e reestabelecido um processo regular de fiscalização.

    Com controles retomados, o programa pode ser ampliado e hoje quase 25 milhões de pessoas são contempladas no Farmácia Popular.

    Recomendações e melhorias

    Em todos esses trabalhos, foram apresentadas recomendações de melhorias, muitas já adotadas. É possível estimar economia de recursos públicos da ordem de R$ 11 bilhões/ano com a implementação de medidas que tornam as ações governamentais mais eficientes e reduzem espaços para fraudes e irregularidades.

    Além disso, em 2025, o programa “CGU Presente” prevê mais de 20 avaliações de políticas públicas que impactam diretamente a população, especialmente os mais vulneráveis, que dependem da ação do Estado para o seu desenvolvimento econômico e social.

    Neste ano, vale destacar que os servidores da CGU estão visitando 23 municípios em sete estados para examinar o Seguro-defeso. Instituído pela Lei 10.779/23, trata-se de um seguro-desemprego que permite aos pescadores artesanais receberem um salário-mínimo durante o período em que estão impedidos de pescar devido à época de reprodução das espécies.

    O objetivo inegociável é assegurar que todos os pescadores que têm esse direito possam exercê-lo de maneira segura.

    A atuação da Controladoria auxilia o governo no esforço fiscal quando contribui para que as ações sejam realizadas de forma mais eficiente, prevenindo e estancando fraudes e assegurando que o benefício alcance as pessoas que realmente têm o direito de recebê-lo.

    Confiança nas instituições, respeito à Constituição, eficiência no uso dos recursos públicos e critérios auditáveis de acesso a programas sociais. Trata-se de um dever do Estado brasileiro e é isso que o governo Lula busca com essas iniciativas.

    • Vinícius Marques de Carvalho é ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) e professor da Faculdade de Direito na Universidade de São Paulo