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    Entre o deslumbre e a responsabilidade: o papel das marcas

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    A cada novo avanço tecnológico, especialmente os mais visíveis para o público, como a criação de imagens por IA generativa, assistimos a uma reação quase coreografada: encantamento, replicação massiva e, só depois, reflexão.

    É assim com filtros de vídeo, com novos formatos de conteúdo e, mais recentemente, com o uso quase automático de ferramentas de IA para surfar trends. Mas, enquanto o fascínio é inevitável, a responsabilidade deveria ser inegociável, especialmente para marcas.

    Recentemente, uma tendência tomou conta das redes: imagens de pessoas ou cenários reimaginados no estilo dos filmes do Studio Ghibli, o renomado estúdio japonês por trás de obras como “A Viagem de Chihiro” e “Meu Amigo Totoro”.

    A estética suave, os traços nostálgicos e o universo encantado gerado por IA rapidamente ganharam a simpatia do público.

    Mas, havia um ponto cego: o próprio Studio Ghibli é notoriamente avesso ao uso de inteligência artificial em processos criativos, defendendo há décadas a animação feita à mão como parte indissociável de seu compromisso artístico. E, mais recentemente, também ambiental.

    Como profissionais de comunicação, nosso papel vai além de reconhecer tendências. Cabe a nós interpretar o contexto, fazer curadorias éticas e orientar as marcas sobre o impacto real das decisões criativas. É aqui que o uso indiscriminado da IA começa a pedir um freio de consciência.

    Enquanto muitas marcas celebram o uso da IA como sinônimo de inovação, poucos consideram o que acontece “debaixo do capô”.

    Estimativas recentes da Universidade de Massachusetts Amherst apontam que o treinamento de um único modelo de linguagem pode emitir mais de 284 toneladas de CO2, o equivalente a cinco carros rodando a vida inteira.

    A geração de imagens também tem custo: servidores trabalhando em alta potência, consumo energético elevado e uso de água em datacenters para resfriamento.

    Seja por diretrizes ESG ou simplesmente por coerência de discurso, o uso da IA precisa estar alinhado com os valores da marca. A questão não é ser contra a tecnologia, mas sim como e por que ela está sendo usada.

    O apelo ao “novo” é parte da natureza humana. Mas, do ponto de vista das marcas, seguir qualquer novidade sem considerar contexto, autenticidade e impacto pode ser uma armadilha. A inovação não está em replicar rapidamente o que está em alta, mas em fazer disso algo com propósito.

    Quando marcas entram em trends como a do Ghibli por IA, mas ignoram o simbolismo por trás do estúdio e respectiva filosofia, correm o risco de desrespeitar a cultura que inspirou aquela estética, e pior, de transmitir incoerência.

    Comunicação com consciência

    A provocação que fica é: estamos sendo profissionais da comunicação ou apenas replicadores rápidos de tendências? Com um público cada vez mais atento e um cenário de consumo mais crítico, talvez a diferença entre relevância e ruído esteja justamente no tempo que dedicamos para pensar antes de agir.

    A IA vai continuar evoluindo. Mas, o papel humano, esse sim insubstituível, está em filtrar, interpretar e dar sentido ao que fazemos com ela.

    Naty Sanches é diretora de operações na Growth Comunicações.