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    “Estava pronto para morrer”, diz israelense após cativeiro em Gaza

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    Durante os 505 dias em que ficou como refém do Hamas na Faixa de Gaza, no Oriente Médio, o jovem israelense Omer Shemtov, de 22 anos, enfrentou condições severas, como fome e tortura psicológica, que o fizeram lidar com a proximidade da morte.

    “Eu sempre acreditava que eu deveria voltar para casa, não pensava que eu ia morrer, mas estava pronto para morrer”, afirma. “Então, eu aceitei a morte”, completa Omer, em entrevista exclusiva ao Metrópoles, durante visita a São Paulo, na semana passada. 

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    Sequestro na rave

    Omer tinha apenas 20 anos ao ser sequestrado, em 7 de outubro de 2023, quando o Hamas invadiu uma rave em área rural na fronteira do estado. “Estava com meus amigos, como qualquer outra pessoa no mundo, só para me divertir e dançar”, relembra. 

    Havia mais de 4 mil pessoas na festa de música eletrônica. De acordo com autoridades de Israel, cerca de 1,2 mil foram mortas. Ele foi libertado apenas em fevereiro deste ano.

    Do festival, aproximadamente 250 frequentadores foram levados como reféns para Gaza, a cinco quilômetros de distância. “Ouvimos tiros de todos os lugares, nós gritávamos muito. Eu me lembro de ver as pessoas caindo no chão e os corpos delas”, recorda Omer.

    O cativeiro e a fé

    Quando perceberam o ataque no festival de música, Omer e os amigos tentaram fugir de carro, mas foram cercados. Em meio ao som de disparos, ele também ouviu uma amiga ligar para um familiar. “Disse: ‘pai, eu levei um tiro. Eu te amo. Vou morrer’”, recorda.

    Durante os 505 dias em que ficou no cativeiro, Omer enfrentou condições severas. “Eu estava em uma pequena jaula. Não conseguia me levantar, não conseguia esticar meus braços. Na maioria do tempo, estava completamente escuro. Houve momentos em que eu pensei que estava cego.”

    Além da escuridão total, que durou quase dois meses, a fome era constante. Omer recebia apenas pão, fracionado para dias, e água salgada. “Eu não tomei banho por 90 dias direto. Estava imundo, e eu podia sentir a sujeira na minha pele”, conta.

    Uma das partes mais difíceis, segundo o israelense, era a frequente tortura psicológica à qual era submetido. “Os terroristas dizem que todo mundo se esqueceu de você (…) sua família, que não se importam com você. Então, é algo que é muito difícil de acreditar, mas, ao mesmo tempo, isso te afeta de qualquer jeito”, lamenta.

    Apesar de não ser religioso antes do sequestro, o jovem encontrou amparo espiritual ao ser privado de liberdade. No cárcere, ele desenvolveu o hábito de orar. “Mesmo na época dos 50 dias, quando eu estava completamente no escuro, eu conseguia ver a luz. Conseguia ouvir as orações. Acredito que as orações, a energia que me enviaram, eu recebi. E isso me ajudou”, diz Omer. “Comecei a conversar com Deus.”

    Tentativas de contato com os sequestradores

    Desde o início, no cativeiro, Omer tentou interagir com os sequestradores. Para ele, instintivamente, tratava-se de uma tentativa de sobrevivência.

    Em uma das vezes, deitado e com as mãos amarradas para trás, Omer falou brevemente com um dos homens do Hamas e se apresentou. Acabaram descobrindo que gostavam de artista em comum.

    “Ele [do Hamas] disse: ‘Cante algo para mim’. Então, eu comecei a cantar para ele, enquanto estava no chão. E eu fiz essa pequena conexão com ele, que me fez sobreviver um pouco mais”, afirma.

    Brasil: “a camisa da sorte”

    No momento em que foi capturado pelo Hamas, na rave, Omer usava uma camisa da Seleção Brasileira, em homenagem ao ex-jogador Ronaldo Fenômeno. “Costumava vestir essa camiseta para as festas. É a minha camiseta da sorte”, revela.

    Mesmo depois do trauma, o significado da camisa permanece. “Eu adoro as cores, adoro a vibe, adoro a energia, tudo.”

    O amor pelo Brasil também continua. “Adoro as pessoas. É caloroso, feliz e é sobre família”, celebra. “As pessoas são maravilhosas, e o ambiente é incrível. Só estive em São Paulo, mas estou animado para voltar, para os lugares onde tem a praia, o mar, e o futebol também”, completa.

    Israelense com camiseta do Brasil, Ele foi refém do Hamas em Gaza - MetrópolesOmer se declara apaixonado pelo Brasil

    Vida após ser libertado

    A libertação de Omer Shemtov, ocorrida em fevereiro deste ano, ainda remete a momentos de tensão. “Vi milhares de pessoas: alguns civis de Gaza, mas também muitos terroristas armados, de máscara. Descemos do veículo, havia um tipo de palco, o Hamas fez o que parecia uma cerimônia como se fosse para comemorar o nosso resgate”, recorda. 

    “Dois homens estavam sem máscara, e eu conseguia ver os rostos deles. Eles choravam muito. No começo, eu não entendi o que estava acontecendo. Depois percebi que os meus sequestradores queriam que eles vissem a gente sendo libertado enquanto eles ficariam lá”, acrescenta.

    Ao reencontrar os pais, a emoção foi avassaladora: “felicidade pura”, conta. “Estava na sala, sentado no sofá, e de repente a porta se abriu. Vi meus pais vindo, correram até mim, me abraçaram, e choraram muito”, relata. No helicóptero, a caminho de casa, viu milhares de pessoas nas ruas segurando cartazes com mensagens de boas-vindas.

    A liberdade trouxe alívio, mas o trauma perdura. “Não sei se isso vai embora. Eu acho que é algo que vai estar preso a mim para o resto da minha vida”, pondera. “Acredito que cada pessoa tem um propósito. (…) O próprio propósito na vida é fazer coisas boas para as outras, para a humanidade, para o que for.”

    Omer ressalta que ainda há 50 reféns israelenses em Gaza. “Pelo menos 20 deles estão vivos, e eles estão num inferno”, diz. “Conheço a dor deles, conheço o que eles estão vivendo. Conheço a sensação de ser deixado para trás.”

    O ex-refém defende que o único caminho possível é o da compaixão. “Temos que espalhar amor, não ódio. (…) Não importa quem você é, de onde você é. Você tem que amar.”