O Itamaraty solicitou que o governo Donald Trump reveja a investigação comercial contra o Brasil, aberta no contexto do tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos a produtos brasileiros. Em carta enviada a Washington nesta segunda-feira (18/8), o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, repetiu argumentos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em apelo à retomada de uma boa relação diplomática, e deslegitimou o inquérito.
“O Brasil insta o USTR a reconsiderar a iniciação desta investigação e a se engajar em um diálogo construtivo. Medidas unilaterais sob a Seção 301 [da lei dos EUA] correm o risco de minar o sistema comercial multilateral e podem ter consequências adversas para as relações bilaterais. O Brasil permanece aberto a consultas e reafirma seu compromisso em resolver preocupações comerciais por meio de meios cooperativos e legais”, disse Vieira.
A “USTR” citada pelo chanceler é o Escritório do Representante de Comércio dos EUA, braço do governo responsável por supervisionar as negociações comerciais com outros países, inclusive investigações na área. É à agência que empresas e Estados estrangeiros respondem e argumentam contra inquéritos e embargos.
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O Brasil iniciou o documento num tom diplomático, destacando o histórico de boas relações diplomáticas entre os dois países. Na sequência, o Itamaraty apresentou uma série de contra-argumentos para alguns pontos citados por Trump quando o presidente dos EUA anunciou a investigação e a taxação de 50% a produtos brasileiros.
Um dos pontos destacados pelo chanceler é o caráter superavitário da balança comercial com país norte-americano: “De acordo com dados dos EUA, em 2024 os Estados Unidos exportaram US$ 78,4 bilhões em bens e serviços para o Brasil, enquanto importaram US$ 49 bilhões em bens e serviços brasileiros – resultando em um superávit comercial de US$ 29,3 bilhões”.
A investigação foi anunciada para englobar “atos, políticas e práticas do Brasil relacionadas a comércio digital e serviços de pagamento eletrônico”. Também são citadas “tarifas preferenciais desleais; falhas em medidas anticorrupção; proteção da propriedade intelectual; acesso ao mercado de etanol; e desmatamento ilegal”. Nesse rol de “problemas” detectados pelos EUA, está até o Pix, visto como barreira para os cartões de crédito.
Nesse sentido, Vieira afirmou que “O Brasil rejeita veementemente as alegações feitas pelos Estados Unidos.(…) Suas políticas e práticas são justificáveis, razoáveis, justas, equitativas, não discriminatórias e consistentes com as regras e normas do sistema multilateral de comércio”.
Defesa do Pix e do STF
Vieira seguiu o discurso de Lula e defendeu as instituições brasileiras. Ao anunciar o tarifaço, Trump reclamou de perseguição judicial ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), seu aliado local. Como a investigação dos EUA se restringiu a criticar o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre supostas restrições a big-techs, o chanceler defendeu o Marco Civil da Internet e citou que a legislação norte-americana tem pontos semelhantes.
Além disso, Vieira defendeu o Pix e seu caráter neutro. A carta ainda:
- Argumenta que o STF não legislou sobre a regulação das redes porque a decisão é válida até o Congresso legislar sobre o assunto;
- Provoca citando o próprio EUA: “A decisão dá efeito a um princípio importante da soberania estatal – a proteção da moral pública. Essa proteção é algo que os Estados Unidos têm defendido na arena internacional por anos. Como os Estados Unidos explicaram anteriormente em apresentações à OMC, “{a} moral pública de cada {país} pode variar ’em seus respectivos territórios, de acordo com seus próprios sistemas e escalas de valores’”. Como parte dessas declarações, os Estados Unidos explicaram que tais medidas para proteger a moral pública “incluíram medidas destinadas a impedir… a disseminação de produtos audiovisuais e publicações que contenham conteúdo moralmente questionável”;
- Destaca a “neutralidade” da lei brasileira, que é aplicada da mesma forma para empresas locais e estrangeiras;
- Rebate as acusações sobre as “ordens secretas” do ministro do STF Alexandre de Moraes: “As ordens não públicas foram emitidas confidencialmente para proteger as partes envolvidas nos processos. A emissão de ordens judiciais não públicas ou confidenciais é uma prática legítima e legal que é frequentemente empregada no contexto de investigações criminais e integridade eleitoral, e é inerentemente não restritiva ao comércio. Essa prática está alinhada com a prática administrativa e judicial dos EUA para proteger indivíduos e interesses de segurança nacional”
- Defende o Pix, alegando que trata-se de uma “infraestrutura pública digital” e que, por isso, é por essência um método de pagamento “não exclusivo”, ou seja, que não pode ser usado para beneficiar ou prejudicar áreas da economia ou países;
- Aponta que “entidades estrangeiras também têm a oportunidade de integrar [o Pix] em seus sistemas”;
- Afirma que há mais de 900 provedores de serviço do Pix, e destaca que big techs exploram o setor, como o Google Pay;
- Destaca que os os EUA estão desenvolvendo o próprio Pix, com o FedNow.