Por muito tempo, construir uma marca seguiu um padrão previsível: visibilidade do logo, campanhas tradicionais e um produto que cumprisse o que prometia. Com o tempo, porém, novas gerações trouxeram códigos próprios, referências distintas e expectativas mais altas. O que antes se sustentava pela tradição hoje soa superficial — ou até fora de contexto.
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Nas empresas de origem familiar, esse risco é ainda maior: quando a marca não consegue projetar o futuro sem se desconectar do seu passado, ela se perde entre herança e inovação, sem raízes firmes nem direção clara.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o branding é tratado como parte da fundação emocional do negócio desde o primeiro dia. O produto nasce para dar suporte à promessa da marca, não o contrário. No Brasil, a lógica muitas vezes se inverte. Primeiro se cria o produto, depois se improvisa uma identidade para vendê-lo.
Segundo Eduardo Valério, fundador e presidente do Conselho da GoNext Governança e Sucessão, isso é especialmente comum em companhias com base na família, em que o legado do fundador tem peso, mas a construção simbólica costuma ser frágil. Sem cultura bem definida e narrativa coerente, a marca corre o risco de se diluir, mesmo com décadas de história e desempenho sólido.
“Essa desconexão provoca um ruído entre o que a empresa comunica e o que realmente representa. Em negócios herdados, esse desalinhamento se torna ainda mais evidente na transição entre gerações”, explica.
Segundo ele, os valores do fundador muitas vezes não são traduzidos para a nova liderança, e o público percebe. Quando o discurso sobre tradição não encontra eco nas práticas do dia a dia, instala-se uma quebra de confiança. Sem confiança, não há vínculo emocional. E, sem vínculo, a identidade construída ao longo de tantos anos se rompe antes de alcançar a próxima etapa.
Diante desse risco de ruptura simbólica, é preciso mais do que um discurso bem-intencionado. A governança se torna um pilar essencial para alinhar intenções e práticas, especialmente quando o negócio envolve relações familiares. Ela é o que dá voz a todas as gerações, define papéis e responsabilidades, estabelece processos decisórios equilibrados e, acima de tudo, protege a empresa dos desgastes emocionais que surgem quando não há uma divisão clara entre o que é da família e o que é da empresa. Uma boa governança desenha essa linha com precisão, evitando conflitos, rupturas e desperdícios de energia e recursos.
Juliana Sandano, superintendente de marketing da Unicred do Brasil, assegura que cuidar da marca é, antes de tudo, cuidar das relações que sustentam uma organização ao longo do tempo e exemplifica que, na Unicred, entende-se que o que mantém uma marca relevante ao longo de gerações é a capacidade de equilibrar essência e evolução.
“Sustentamos um propósito claro, que permanece como eixo da nossa identidade, ao mesmo tempo em que ajustamos linguagem, tom e formatos para dialogar com públicos que se transformam. Essa adaptação não significa romper com o que nos define, mas traduzir valores com clareza para diferentes contextos. A marca cresce com quem faz parte dela, e é justamente essa convivência entre permanência e mudança que nos permite manter consistência, sem perder atualidade”, certifica.
A executiva afirma que o ponto de partida para qualquer estratégia de marca, especialmente em um cenário multigeracional, é a escuta ativa. O modo como as pessoas consomem conteúdo, constroem vínculos e atribuem sentido às instituições está em constante movimento. Por isso, mantemos atenção à forma como nos expressamos, aos canais que utilizamos e à experiência que proporcionamos em cada ponto de contato.
“Não se trata de manter uma imagem, mas de sustentar um compromisso vivo, que se renova todos os dias. A relevância da marca está em acompanhar o tempo sem abandonar seus fundamentos, criando conexões verdadeiras com diferentes perfis, com clareza, presença e propósito.”
Juliana Sandano, superintendente de marketing da Unicred do Brasil
Marcas duradouras
Construir uma marca que resista ao tempo exige um compromisso profundo com o que ela representa de verdade. O branding pensado para durar começa quando a empresa decide mapear seu legado, alinhar sua narrativa com clareza e atravessar as mudanças com coerência. Isso vale especialmente para grupos empresariais que nasceram da trajetória familiar e que, apesar dos valores autênticos, ainda têm dificuldade em articulá-los de forma estratégica e sustentável.
“Nesse ambiente de estruturas mais sólidas, o branding deixa de ser apenas uma questão de estética ou comunicação. Ele passa a ser a expressão simbólica da governança, a tradução visível do que a família construiu internamente com consistência e propósito”, pontua Zeh Henrique Rodrigues, diretor de Branding e Varejo na Brainbox, empresa do Grupo OM.
O executivo acredita que, quando a identidade é forte, coerente e bem posicionada, ela se torna consequência direta de decisões bem amarradas. É assim que se cria reputação com significado, e não apenas reconhecimento de marca.
As marcas que conseguem fazer isso bem têm algo em comum: uma cultura viva. O pilar cultural da organização é o que sustenta o posicionamento, mesmo quando o mercado muda ou o público se transforma. Isso se torna ainda mais decisivo nos momentos de sucessão. Cultura não é uma frase bonita na parede da recepção. É comportamento que atravessa gerações. É o que permite preservar o DNA da marca enquanto se adapta ao novo. Sem cultura, a empresa se torna passado antes mesmo de alcançar o futuro.
Segundo o presidente do Conselho da GoNext Governança e Sucessão, enquanto os norte-americanos constroem marcas com clareza, conexão e cultura desde o início, o Brasil ainda valoriza mais o produto do que o posicionamento.
“Nos empreendimentos familiares, isso costuma significar décadas de operação sólida, mas com identidade difusa. O foco excessivo no resultado imediato muitas vezes impede a construção de uma marca que perdure. Quando o tempo exige transformação, só sobrevive quem investiu em identidade, significado e direção. O improviso pode até vender, mas não sustenta.”
Eduardo Valério, presidente do Conselho da GoNext Governança e Sucessão
O desafio é mudar esse padrão. Parar de tratar o branding como uma embalagem de venda e começar a enxergá-lo como uma plataforma de significado. O branding pensado para múltiplas gerações é o que transforma reputação em legado. É o que garante que a marca não se perca na sucessão, na inovação tecnológica ou na mudança do perfil do consumidor. No fim, só permanece quem sabe criar pontes entre passado, presente e futuro. E isso começa agora, não na próxima geração.
O tempo vai continuar passando, e o mercado vai continuar mudando. Negócios com raízes familiares que quiserem permanecer relevantes precisarão mais do que tradição. Precisarão de clareza, coerência e cultura compartilhada. Porque só envelhece bem quem sabe quem é. E só quem sabe quem é continua fazendo sentido mesmo quando tudo ao redor já tiver mudado.
Zeh Henrique Rodrigues, diretor de Branding e Varejo na Brainbox, empresa do Grupo OM