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    Morte de influenciador coloca plataformas na mira do governo francês

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    A morte de um influenciador francês na segunda-feira (18/8), durante uma transmissão em tempo real, chocou a França. Raphael Graven, 46 anos, morreu durante um streaming que tinha previsão de durar doze dias. Enquanto o caso é investigado, o governo francês debate medidas para melhorar o controle de conteúdos e práticas nessas plataformas.

    “Ops, algo deu errado”: essa é a mensagem exibida nesta sexta-feira (22) na plataforma de streaming Kick quando o canal de Jean Pormanove – também chamado de JP – é procurado. Esse era o pseudônimo usado pelo francês neste site de transmissões em tempo real que exibiu, entre tantas humilhações e violências impostas por outros influenciadores, sua própria morte.

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    Após ter bloqueado no início da semana os polêmicos vídeos em que JP aparece sendo alvo de agressões físicas e psicológicas pelos gamers Narutovie e Safine, a Kick voltou a liberar o acesso ao material na quinta-feira (21/8). A justificativa fornecida pela direção da plataforma foi o desejo de colaborar com as investigações as autoridades francesas. No entanto, o site foi acusado de querer tirar proveito da popularidade que alcançou com a morte do influenciador.

    Ameaçada pela Autoridade de Regulação da Comunicação Audiovisual e Digital da França (Arcom) de ter seu funcionamento proibido no país, a plataforma voltou atrás em sua decisão nesta tarde. Enquanto isso, investigadores têm a missão de assistir a mais de 300 horas de gravações da fatídica transmissão para tentar compreender as circunstâncias da morte de JP.

    Dupla investigação

    O canal “Jeanpormanove” na plataforma Kick é alvo de uma dupla investigação do Ministério Público de Nice, no sul da França. A primeira teve início em dezembro após a publicação de uma reportagem do site francês de notícias Mediapart, e a outra foi aberta após a morte de JP.

    O influenciador entrou no universo dos streamings de jogos online há cinco anos, fazendo transmissões na plataforma americana Twitch. Com reações exageradas e teatrais, ele se tornou famoso na comunidade de gamers. Com outros três streamers de um grupo chamado Le Lokal, JP passou a fazer lives na Kick, devido às regras mais brandas, um controle menor das performances e uma remuneração maior do que em outras plataformas.

    Com o objetivo de provocar reações exageradas em JP, dois influenciadores do grupo, Narutovie e Safine, começaram a agredi-lo, e observaram os pagamentos dos seguidores aumentarem com as violências, que iam de humilhações e xingamentos a socos, chutes, estrangulamentos e sufocamentos. Segundo a imprensa francesa, o próprio JP faturava por mês até € 6 mil (cerca de R$ 38 mil).

    Morte ao vivo

    Em agosto, o grupo Le Lokal anunciou o desafio de realizar um streaming de 12 dias, sem interrupção, de uma casa alugada no sul da França. Durante a transmissão, JP era frequentemente espancado e chegou a receber choques elétricos de uma coleira instalada em seu pescoço.

    No segundo dia, o influenciador comentou com os colegas que não estava passando bem e que precisaria ir a um hospital, mas foi impedido. JP também enviou uma mensagem para a mãe dizendo ter sido sido “sequestrado” por “um conceito de merda”.

    Na madrugada do décimo dia do streaming, o grupo estava dormindo diante das câmeras quando seguidores começaram a alertá-los do comportamento incomum de JP, pálido e imóvel durante horas. Um dos gamers chegou a atirar uma garrafa de água na cabeça do influenciador, que não reagiu. A live foi subitamente interrompida e a polícia foi acionada, confirmando a morte de JP.

    Resultado da autópsia

    Os primeiros exames, realizados pelo Instituto Médico Legal de Nice, foram revelados na noite de quinta-feira (21), e apontaram que o corpo do JP não apresenta “lesões traumáticas”. O laudo afirma que as prováveis causas da morte “parecem ser de natureza médica ou toxicológica”.

    O jornal Le Monde obteve informações com uma fonte próxima às investigações que diz que o trabalho se concentra agora em saber se outros elementos ligados ao streaming poderiam ter ocasionado a morte do influenciador. As escassas horas de sono podem ter resultado em uma crise cardíaca, ou o consumo de produtos tóxicos – incentivado pelos seguidores da transmissão – pode ter envenenado JP.

    Por meio de advogados, os gamers que agrediam JP alegam que tudo se tratava de uma encenação e que a vítima consentia participar do que chamam de “brincadeiras”. No entanto, a irmã do influenciador, classifica sua morte de “intolerável” e acredita que JP tenha morrido “de exaustão”.

    A ministra francesa da Inteligência Artificial e do Digital, Clara Chappaz, classificou o caso de “horror absoluto” e acionou a Arcom, o mais alto órgão de supervisão de mídias na França e a Plataforma Pública de Alerta a Conteúdos Ilícitos na Internet. A ministra também exigiu explicações sobre as falhas de moderação na plataforma Kick, evocando a possibilidade de interdição da plataforma.

    O governo francês estuda a possibilidade de um maior controle dos streamings, prevendo uma possível penalização dos usuários que incentivarem violências nas transmissões. Já o presidente Emmanuel Macron defende a proibição das redes sociais para os menores de 15 anos.

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