A Polícia Federal (PF) detalhou o funcionamento do suposto esquema de corrupção desarticulado na cidade de Cruzeiro (SP). No centro das investigações está a Nine Digital Bank Certificação Digital e Soluções Empresariais Ltda., uma microempresa que, apesar do porte, movimentou contratos que ultrapassam R$ 4 milhões em licitações públicas. Uma ação para desarticular o grupo foi deflagrada na manhã desta quinta-feira (21/8).
Segundo a PF, a Nine atuava como empresa de fachada, criada em 2018, mas que só começou a emitir notas fiscais para o poder público em 2020. Formalmente registrada para fornecer materiais de construção e serviços de engenharia, a empresa funcionava em um endereço sem estrutura compatível — o mesmo local da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), presidida por Breno Santiago, apontado como sócio oculto do negócio.
O passo a passo da fraude
Conexões no poder: com familiares em cargos estratégicos da prefeitura e do SAAE, a empresa encontrava caminho livre. Larissa Guerra, esposa de Breno, ocupava a Diretoria Jurídica do SAAE, enquanto Diógenes Gori, primo dele, era diretor jurídico da Prefeitura. Já o secretário de Obras, Paulo Cézar Felix Júnior, tinha o poder de homologar os contratos milionários.
Fraudes em licitações: a Nine Digital vencia certames para fornecer de tudo, areia, pedra, vasos sanitários e até serviços de pavimentação. Em vez de comprar diretamente dos fornecedores, a prefeitura adquiria os produtos da empresa intermediária, o que gerava suspeita de sobrepreço.
Obras fantasmas: em diversos contratos, a empresa recebia por serviços que nunca foram executados. Um caso emblemático é a “rampa fantasma”, uma obra de quase R$ 100 mil que já havia sido paga, mas nunca saiu do papel.
Uso de servidores: em outras situações, a Nine Digital recebia pagamentos como se tivesse arcado com os custos da obra, mas quem realizava os trabalhos eram servidores da própria prefeitura, caracterizando desvio de função.
A investigação também identificou emissão de notas fiscais sem chave de acesso válida e contratos com fortes indícios de superfaturamento. Além disso, em alguns casos, a empresa orientava os órgãos públicos a retirarem diretamente os materiais contratados, descumprindo o previsto em contrato.
De acordo com o delegado Leonardo Américo Angelo Santos, o esquema representava uma forma clara de corrupção institucionalizada. “É um caso clássico de captura do Estado por interesses privados. A empresa foi criada com o propósito claro de contratar com o poder público, e a rede de agentes públicos envolvidos garantia que o ciclo, da licitação ao pagamento, ocorresse sem entraves, mesmo que o serviço não fosse entregue.”
A Polícia Federal reforça que não se trata de “mera irregularidade administrativa”, mas de uma prática continuada de fraude, que drenou milhões de reais dos cofres públicos de Cruzeiro.