“Não, fraude fiscal. Não, eu não, não, não, não”, disse Sidney de Oliveira, dono da Ultrafarma, na audiência em que firmou um acordo para se livrar de acusações de crimes de sonegação fiscal e organização criminosa com o Ministério Público de São Paulo (MPSP).
O empresário (foto em destaque) negou três vezes o crime e, mesmo assim, conseguiu o acordo, anuindo a confissão por escrito, o que lhe isentou de uma denúncia, mediante pagamento de uma multa de R$ 32 milhões parcelada em 60 meses.
Como mostrou o Metrópoles, dois meses antes de ser preso na Operação Ícaro, do Grupo de Combate à Lavagem de Dinheiro (Gedec), do Ministério Público, Sidney Oliveira firmou um acordo de não persecução penal com o Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Vale do Paraíba, em uma investigação também sobre sonegação de ICMS.
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Autos de infração juntados à investigação mostraram que o prejuízo provocado pela Ultrafarma aos cofres públicos chegou a pelo menos R$ 180 milhões, por sonegação fiscal. No acordo, o Ministério Público propôs o pagamento de multa de R$ 32 milhões e a confissão do crime para que o empresário ficasse livre de ações penais.
O vídeo da audiência mostra, no entanto, que o empresário resistiu até o fim em confessar que cometeu crimes. Quando indagado pelo coordenador do Gaeco do Vale do Paraíba, Alexandre Castilho, o empresário rechaçou. “Eu nunca cometi fraude fiscal, doutor.”
Empresário Sidney de Oliveira negou três vezes cometer fraudes fiscais e mesmo assim conseguiu acordo para se livrar de acusações do MPSP
Reprodução
Sidney Oliveira, dono da rede Ultrafarma
Divulgação/Ultrafarma
Casamento com tailandesa é o segundo do empresário
Reprodução/ Instagram
O promotor, então, explicou que consta no acordo que ele confessou crime de organização criminosa e que, segundo o documento, ele admite o delito. “Eu só preciso constar isso por conta do que diz a lei, mas o senhor já disse que confirma todos os fatos aqui tratados”, disse o promotor.
O dono da Ultrafarma, então, interrompeu o membro do MPSP. “Mas não tava escrito isso que o senhor falou, Dr. Alexandre”, disse. No documento, consta que Sidney Oliveira “confessou em sua integralidade a prática do delito em apreço [organização criminosa] e, ao final, concordou com os termos do acordo proposto, o qual foi devidamente homologado pelo Juízo”.
A audiência ainda foi marcada por uma intervenção do advogado do empresário, Fernando Capez, que é ex-deputado e procurador de Justiça aposentado, para tecer elogios ao Ministério Público, do qual foi membro.
“Eu fui membro dessa instituição. Primeiro, um prazer enorme rever também o Luís Henrique Cardoso Dal Poz [procurador presente na audiência] e desejar você cada vez mais saúde. Tô muito feliz de te ver aqui. Essa instituição que eu aprendi a respeitar, onde eu fiquei 36 anos, que é uma instituição séria, que é o Ministério Público de São Paulo, não é qualquer Ministério Público, é o maior e melhor Ministério Público do país”, disse.
O acordo foi firmado junto a procuradores da Operação Monte Cristo, que começou apurando crimes da rede Farma Conde, conhecida no interior de São Paulo, e cresceu com a delação de seu dono, Manoel Conde Neto. Ele confessou um grande esquema de sonegação de ICMS e relatou que grandes players do setor farmacêutico também sonegaram.
Nos anexos do empresário, constam menções a Sidney Oliveira e à Ultrafarma. Segundo o delator, a empresa tinha um esquema para driblar o pagamento do tributo, o que desequilibrava a concorrência no setor.
Em 5 de agosto, exatamente uma semana antes de Sidney Oliveira ser preso, o MPSP comunicou à Justiça o início da execução do acordo de não persecução penal.
Embora a Promotoria afirme que o dono da Ultrafarma tenha confessado os crimes, a defesa do empresário alegou nos autos que o termo foi assinado por ele apenas para que fossem encerrados os procedimentos de investigação.
Operação Ícaro
Além do dono da Ultrafarma, outras cinco pessoas foram presas na Operação Ícaro, deflagrada na última terça-feira (12/8), contra um suposto esquema bilionário de corrupção envolvendo fraude em créditos de ICMS.
Outros alvos da operação foram Mário Otávio Gomes, diretor da Fast Shop, e Artur Gomes da Silva Neto, auditor fiscal suspeito de ter recebido R$ 1 bilhão em propina para operar o esquema dentro da Secretaria Estadual da Fazenda.
O Metrópoles apurou que a nova operação pode colocar em risco o acordo de não persecução penal firmado anteriormente entre Oliveira e o MPSP. Os promotores do Gaeco do Vale do Paraíba não tinham conhecimento das investigações conduzidas pelo Gedec.
Entenda o caso
- Os empresários Sidney Oliveira, dono da Ultrafarma, e Mário Otávio Gomes, diretor estatutário da Fast Shop, foram presos nessa terça-feira (12/8), por suposto envolvimento em um esquema de pagamento de propina ao auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto, para obterem vantagens em créditos tributários de ICMS.
- Segundo o MPSP, o fiscal usava uma empresa registrada no nome da sua mãe, uma professora aposentada de 73 anos de idade, para receber propina dos empresários.
- Artur Gomes da Silva é supervisor da Diretoria de Fiscalização (Difis) da Fazenda estadual paulista e teria arrecadado cerca de R$ 1 bilhão em propina, desde 2021, para manipular processos administrativos a fim de facilitar a quitação de créditos tributários às empresas.
- Sidney Oliveira foi preso em uma chácara, em Santa Isabel, na Grande São Paulo. Mário Otávio Gomes foi detido na zona norte da capital, e Artur Gomes, em Ribeirão Pires.
Em nota, a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo informou que instaurou procedimento administrativo para apurar, com rigor, a conduta do servidor envolvido e que solicitou formalmente ao MPSP o compartilhamento de todas as informações pertinentes ao caso.
A pasta ainda disse estar à disposição das autoridades e que vai colaborar com os desdobramentos da investigação por meio de sua corregedoria.
“A administração fazendária reitera seu compromisso com os valores éticos e justiça fiscal, repudiando qualquer ato ou conduta ilícita, comprometendo-se com a apuração de desvios eventualmente praticados, nos estritos termos da lei, promovendo uma ampla revisão de processos, protocolos e normatização relacionadas ao tema”, completa a nota.
A Fast Shop afirmou que “ainda não teve acesso ao conteúdo da investigação, e está colaborando com o fornecimento de informações às autoridades competentes”.
Procurados pelo Metrópoles, Sidney Oliveira e Ultrafarma não se manifestaram, assim como os demais citados. O espaço segue aberto.