Três meses depois do anúncio de um acordo entre os governos Lula (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) para oferecer imóveis gratuitamente às famílias da Favela do Moinho, o processo envolvendo o fim de uma das últimas comunidades do centro de São Paulo ainda é alvo de disputas políticas entre as duas gestões.
De um lado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diz que o subsídio integral de moradias no valor de até R$ 250 mil só será possível por causa da costura feita pelo governo federal. Lula chegou a vir pessoalmente à capital paulista para visitar a favela em junho e assinar a portaria para o programa habitacional.
Do outro, a gestão paulista vem criticando uma suposta demora e burocracia do governo federal em liberar a verba para o programa, e diz que tem dado continuidade à remoção das famílias do local sem ajuda externa.
A disputa política sobre quem deixará sua marca como o responsável por uma solução definitiva para a comunidade, instalada há décadas entre os trilhos de duas linhas de trem, ficou ainda mais visível nos últimos dois dias.
Protesto na entrada da Favela do Moinho
Jessica Bernardo / Metrópoles
Favela do Moinho teve saneamento básico regularizado em 2022
Jessica Bernardo/Metrópoles
Entrada da Favela do Moinho, no centro da cidade
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Ruas de terra, barracos de madeira e fios emaranhados fazem parte do cenário da Favela do Moinho
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CDHU marca casas da Favela do Moinho
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CDHU acompanha mudança na Favela do Moinho
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Favela do Moinho está entre duas linhas de trem da CPTM
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No início dessa sexta-feira (15/8), Lula publicou um vídeo nas redes sociais ao lado do ministro das Cidades, Jader Filho (MDB), anunciando que a Caixa Econômica Federal divulgaria a lista com as primeiras famílias da favela a serem contempladas pelo Minha Casa, Minha Vida.
“Vocês estão lembrados que o governador queria dar só R$ 800 para vocês saírem da Favela do Moinho? O governo federal foi lá, com nossa ministra Esther, nosso ministro Jader, e exigiu que o governo do estado melhorasse a proposta dele e que as pessoas só iam sair quando tivessem condições de sair, procurar suas casas, alugar suas casas”, diz Lula no início do vídeo.
Na sequência, o ministro Jader Filho fala que a lista com as 453 primeiras famílias que iriam receber recursos do governo federal seria publicada naquele mesmo dia (veja lista aqui).
“Nós fizemos isso, presidente, em tempo recorde, nós estamos atendendo mais de 50% de todas as famílias da Favela do Moinho e daqui a pouquinho vamos chegar na totalidade”.
Não demorou para que viesse uma resposta do executivo estadual, que tem criticado o tempo levado pela gestão Lula para liberar a verba do programa.
Neste sábado (16/8), o governo Tarcísio divulgou uma nota em que diz que já retirou 479 famílias do Moinho neste ano utilizando recursos próprios. “Todos os custos até o momento são arcados pelo Estado, que mantém o compromisso assumido, em maio, de garantir atendimento gratuito às famílias do Moinho”, diz o texto.
“A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação aguarda a entrada da Caixa Econômica Federal na operação. Até lá, continuará arcando com todos os custos necessários para honrar o compromisso com as famílias. O acerto de contas deverá ser feito tão logo o governo federal consiga vencer seus trâmites burocráticos, sem que sejam lesadas as famílias que precisam de apoio do Poder Público”, afirma ainda a nota.
Ao Metrópoles, o Ministério das Cidades disse que já estava pactuado entre o governo federal e o do estado que o ressarcimento federal no caso da escolha de imóveis da CDHU seria realizado ao final da obra. “O que falta é apenas a formalização de aditivo contratual entre CDHU e Caixa, sem prejuízo ao acordo nem ao atendimento das famílias”, diz a nota.
Disputa de terreno
O futuro da Favela do Moinho vem movimentando os dois governos desde o início do ano. Alegando querer construir um parque e uma estação no terreno, que pertence ao governo federal, a gestão Tarcísio solicitou a cessão do local para o estado, e passou a cadastrar os moradores na Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU).
Como era a proposta de Tarcísio no começo
- À princípio, a proposta de Tarcísio falava em um “reassentamento voluntário” dos moradores.
- As famílias poderiam optar pela Carta de Crédito Associativa (CCA), em que estão disponíveis imóveis construídos, em construção, ou que já tenham ao menos as licenças emitidas, com tudo pronto para iniciar as obras.
- Outra opção seria a Carta de Crédito Individual, na qual os cidadãos podem buscar unidades e apresentar para a CDHU, que faria uma avaliação de valor de mercado para seguir com a contratação.
- Nas duas modalidades, o valor limite é de R$ 250 mil para unidades na região central e R$ 200 mil para outros bairros ou municípios de SP.
- O acordo incluía um auxílio de R$ 2.400 para a mudança da favela e um auxílio moradia mensal de R$ 800. Os apartamentos oferecidos, no entanto, deveriam ser pagos pelos moradores, por meio de um financiamento equivalente a 20% da renda mensal.
- Como mostrou o Metrópoles, no entanto, parte dos moradores afirmava não ter condições de pagar pelo financiamento, mesmo com o subsídio de parte do valor pelo governo estadual.
Em abril, o governo estadual começou a retirar as primeiras famílias da favela e moradores contrários às propostas fizeram protestos que chegaram a interromper a circulação dos trens na região.
Relatos de intimidação policial começaram a surgir e parte da comunidade passou a pressionar o governo federal a se posicionar sobre o tema. Até que, em maio, o governo anunciou uma parceria com a gestão Tarcísio para ofertar imóveis gratuitamente aos moradores com renda.
Fumaça invadiu centro de São Paulo durante protesto contra demolição de casas na Favela do Moinho
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PMs usaram escudo para avançar contra protesto na linha 8-Diamante
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Policiais na Favela do Moinho
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Fogo é ateado na região da linha 8-Diamante
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Crianças na Favela do Moinho
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Favela do Moinho
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Policiais avançam contra protesto na Favela do Moinho
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PMs na Favela do Moinho
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Como é o projeto acordado pelo governo federal
- Cada família poderá adquirir um imóvel de até R$ 250 mil. Parte deste valor, até R$ 180,5 mil, será subsidiada pelo governo federal e R$ 70 mil pelo governo estadual.
- Os moradores podem optar por imóveis novos ou usados, em qualquer cidade do estado de São Paulo. O pagamento é feito diretamente ao vendedor do imóvel.
- Famílias que optarem por imóveis em construção terão direito a auxílio-moradia de até R$ 1.200 por mês durante o período de transição, custeados pelo Casa Paulista, do governo Tarcísio.
- Têm direito ao programa, moradores residentes na Favela do Moinho até 2 de novembro de 2024 e com renda bruta familiar mensal de até R$ 4.700.
- Não podem participar pessoas que já têm outro imóvel, que já receberam benefícios similares nos últimos 10 anos, e que têm restrição no Cadin – o cadastro de pessoas em débito com órgãos e entidades federais.
- Segundo a União, famílias com pendências têm 60 dias para regularização. As já elegíveis dispõem de 12 meses para indicar o imóvel que desejam.
O acordo também prevê que as pessoas que se encaixam nas regras e já tenham feito adesão à proposta anterior da CDHU e, portanto, já tenham pago parte do financiamento, sejam restituídas dos valores pagos pelo governo estadual.
Depois das tratativas entre as duas gestões há três meses, a gestão Tarcísio continuou com as remoções, que já teriam alcançado metade da favela, segundo o governo paulista. Dentro da gestão estadual, a percepção é de que tanto a Caixa quanto o governo federal demoraram em liberar a verba, gerando um clima de insegurança em quem continua favela.
Agora, com a divulgação pela Caixa das primeiras famílias adeptas a participar do programa, a expectativa é que o processo de desocupação da favela avance mais.
A troca de faíscas nos anúncios dos dois governos sobre a Favela do Moinho acontece em meio à intensificação das conversas sobre eleições no mundo político. Enquanto Lula deve disputar a reeleição pela esquerda, Tarcísio – ainda que publicamente diga que quer tentar a reeleição por São Paulo – é o nome mais cotado para substituir Jair Bolsonaro (PL) no outro lado do espectro político.