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    Tarifaço: a escalada do incômodo de Trump em relação aos Brics

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    Para o presidente dos EUA, Donald Trump, os Brics continuam sendo “uma pedra no sapato”. No pacote de tarifas que entrou em vigor na última semana, as alíquotas mais pesadas, de 50%, miraram justamente Brasil e Índia —duas das principais potências do bloco. A medida inaugura um novo capítulo na disputa comercial e geopolítica entre Washington e a aliança formada por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e países parceiros.

    Nesse sábado (9/8), o presidente russo, Vladimir Putin, ligou para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para falar sobre a guerra na Ucrânia e o Brics. O telefonema faz parte de uma série de telefonemas que o líder russo tem feito nos últimos dias desde expirou o prazo dado por Trump para ele colocasse em vigor uma trégua no conflito, na sexta-feira (8/8).

    Putin já telefonou para o líder chinês, Xi Jinping, e para o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, para relatar a conversa que manteve com o enviado norte-americano sobre a guerra e antecipar detalhes do encontro que terá com o presidente norte-americano na próxima semana, no Alasca.

    O Kremlin não confirmou se as conversas com os líderes abordaram o impacto do tarifaço imposto pelos EUA, que atingiu com mais força os Brics. Ainda assim, é difícil descartar que o tema tenha ficado de fora.

    Mais do que um gesto econômico, especialistas ouvidos pelo Metrópoles veem na ofensiva de Trump uma estratégia para frear um grupo que, se agir de forma coordenada, pode desafiar a influência norte-americana no comércio global.

    O especialista em tributação internacional, Angelo Paschoini, avalia que a motivação de Trump é inequívoca.

    “Ele quer manter a soberania dos Estados Unidos como maior potência mundial. Mas, se houver um acordo forte no Brics para criar um mercado livre entre Brasil, Índia, China e Rússia, você teria uma super economia. Isso incomoda quem quer manter a liderança no cenário global.”

    Para ele, o republicano aciona todas as “armas disponíveis” — tarifas, barreiras econômicas e medidas políticas — para enfraquecer o bloco.

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    Índia e Brasil lideram o tarifaço

    O líder dos EUA, anunciou na quarta-feira (6/8), a elevação das tarifas de importação sobre produtos indianos de 25% para 50%, com vigência a partir de 28 de agosto.

    Segundo o presidente norte-americano, a medida é uma resposta direta à continuidade das compras de petróleo russo pela Índia, apesar dos alertas de Washington.

    O Brasil, que desde 2023 intensificou a compra de diesel e fertilizantes russos, também entrou no radar e também sofreu retaliação com a mesma tarifa sobre produtos nacionais sob a justificativa de “relações injustas” e “arbitrariedade do STF” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

    China como protagonista

    No início das disputas comerciais, a China foi o principal alvo das medidas de Trump. As tarifas contra Pequim chegaram a 145% em maio.

    Após meses de retaliações cruzadas, os países fecharam um acordo: Washington reduziu as tarifas para 30%, e China recuou de 125% para 10%.

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    Trump e Putin

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    Lula e Putin

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    Lula encontra o presidente da Rússia, Vladimir Putin

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    Presidentes Lula (Brasil) e Xi Jinping (China) assinam 37 acordos bilaterais. Declaração conjunta abre crise com Taiwan

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    Autoridades de países do Brics vieram ao Brasil

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    Chefes de Estado reunidos para a cúpula do Brics no Rio de Janeiro

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    Foto oficial das autoridades no Brics

    Ricardo Stuckert / PR

    A novela de Trump e Putin

    A relação entre os dois presidentes é marcada por constantes altos e baixos.

    De um lado, Trump busca projetar a imagem de mediador de conflitos; do outro, Putin mantém, há três anos, a guerra contra a Ucrânia, período em que as tentativas de negociação se resumem a trocas de prisioneiros, enquanto nenhum cessar-fogo é efetivamente cumprido.

    Trump, que tenta ao máximo se apresentar como a grande mão capaz de resolver o conflito, enfrenta um Putin inflexível, disposto a ceder apenas sob suas próprias exigências.

    Como resultado, o republicano recorre a ameaças — como taxar a Rússia em 100% caso não aceite um cessar-fogo — e a retaliações contra quem compra produtos russos ou mantém negociações com Moscou enquanto a guerra contra a Ucrânia continua, recaindo assim sobre os integrantes do Brics.

    Trump deixou claro isso ao declarar que ampliaria o tarifaço contra países que compram petróleo da Rússia. A Índia foi afetada, e o Brasil pode ser o próximo.

    Efeito contrário ao esperado

    Porém, a ofensiva norte-americana, pode estar produzindo o efeito oposto. O senador russo Alexey Pushkov afirmou, na quinta-feira (8/8), que as tarifas podem acabar fortalecendo a unidade do Brics, caso os países adotem uma resposta conjunta.

    O presidente brasileiro Lula pretende convocar os líderes do Brics para desenvolver uma resposta às tarifas de Trump. Se isso acontecer, marcará uma nova guinada no confronto oculto entre o bloco e os EUA, que as políticas de Trump buscavam impedir”, declarou Pushkov.

    Para ele, se o confronto se tornar aberto, as guerras tarifárias podem reforçar a coesão do bloco.

    Aproximação política e econômica

    Na avaliação do coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília (UCB), Gustavo Menon, as ações de Trump aceleram movimentos de integração.

    “Ao adotar uma postura agressiva, ele incentiva acordos intrabloco e a busca por alternativas ao dólar. Seu objetivo é fragmentar o grupo e fechar acordos bilaterais vantajosos para os EUA, mas a prática tem aproximado politicamente os membros do Brics”, disse.

    Lula conversou por telefone com o premiê indiano Narendra Modi para discutir “maior integração” em áreas como comércio, tecnologia, energia, defesa, agricultura e saúde.

    Moscou, por sua vez, classificou as medidas como “violação direta da soberania brasileira” e acusou Washington de política “neocolonial”.