As medidas anunciadas pelo governo federal para socorrer os setores da economia brasileira mais afetados pelo tarifaço comercial imposto pelos Estados Unidos sobre grande parte dos produtos nacionais exportados para os norte-americanos foram importantes e devem aliviar o impacto das taxas, mas também trazem preocupação.
A avaliação é de economistas e analistas do mercado consultados pela reportagem do Metrópoles após o anúncio do pacote pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nessa quarta-feira (12/8), no Palácio do Planalto.
Outro ponto de atenção destacado pelos economistas é o potencial impacto do pacote no já delicado quadro fiscal brasileiro, em um momento em que o governo tenta reduzir gastos para equilibrar as contas públicas.
O que diz o mercado
“Algo que demandará atenção é o impacto fiscal dessas medidas e se, de fato, serão transitórias, uma vez que a situação fiscal já é frágil. Além disso, a criação de uma linha de crédito subsidiada em meio ao aperto monetário realizado pelo Copom [Comitê de Política Monetária do Banco Central] pode minar os esforços da política monetária”, afirma André Valério, economista sênior do Banco Inter.
“O montante anunciado não é grande o suficiente para gerar distorções significativas. No entanto, o risco é a perpetuação das medidas, que poderiam se tornar mais uma forma de política industrial, criando mais distorções e, potencialmente, impactando a condução da política monetária via incerteza fiscal e crédito subsidiado”, alerta Valério.
O economista Enrico Gazola, sócio-fundador da Nero Consultoria, tem entendimento semelhante. Segundo ele, “o desenho de parte das medidas preocupa”. “A vinculação rígida do crédito à manutenção integral de empregos ignora a necessidade de ajustes e realocações que, em alguns casos, são inevitáveis e até desejáveis para preservar a competitividade. Compras públicas para absorver excedentes, se mal conduzidas, tendem a gerar distorções de preços, desperdício e uso político dos recursos”, observa.
“Além disso, não há clareza suficiente sobre como será precificado o risco assumido pelo Estado, nem sobre o prazo real de saída dessas intervenções – e experiências passadas mostram que medidas temporárias no Brasil, frequentemente, viram políticas permanentes”, prossegue Gazola.
O economista alerta, ainda, para os eventuais custos fiscais. “Esses recursos não brotam do nada. Representam um risco adicional às já pressionadas contas públicas e podem comprometer ainda mais a trajetória da dívida se não forem estritamente temporários e bem focalizados”, afirma. “Responsabilidade fiscal não é um detalhe burocrático, mas condição para manter juros sustentáveis, câmbio estável e confiança de investidores, especialmente em um momento em que o país precisa de previsibilidade para crescer.”
Gazola avalia, por fim, que o governo deveria ter agido mais rápido na frente diplomática com os EUA “e se mostrado mais aberto ao diálogo com parceiros estratégicos”, de modo que pudesse ter “mitigado parte dos impactos e até evitado a escalada que resultou nesse tarifaço”.
“O saldo é que o plano tem méritos claros no curto prazo, mas o risco de transformar um choque externo em mais um ciclo de dependência estatal está presente. O sucesso não será medido pelo valor anunciado, mas pela capacidade de focalizar, ser temporário e transparente, preservando os incentivos para que empresas busquem eficiência e novos mercados, em vez de se acomodarem no amparo público”, completa.
Para Bruno Shahini, especialista em investimentos da Nomad, as atenções do mercado financeiro seguirão voltadas nesta quinta-feira (14/8) à repercussão das medidas anunciadas pelo governo na véspera.
“No cenário doméstico, a atenção se volta para o pacote de apoio a exportadores, ainda cercado de dúvidas sobre seu formato e efeitos fiscais. A percepção de fragilidade nas contas públicas mantém o clima de cautela, deixando o dólar sensível tanto às decisões do Fed [Federal Reserve, o Banco Central dos EUA] quanto à confiança na política econômica brasileira”, avalia.
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Indústria e comércio defendem medidas
Entidades setoriais ligadas a alguns dos segmentos mais atingidos pelo tarifaço do presidente dos EUA, Donald Trump, defenderam as medidas anunciadas pelo Planalto.
Em nota, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) afirma que as medidas anunciadas pelo Palácio do Planalto servem “para preservar empregos, diversificar mercados e assegurar condições justas de comércio internacional”, são “importantes” e “demonstram compromisso com a defesa dos setores produtivos nacionais”.
“A Fiesp manifesta seu apoio ao plano anunciado pelo governo federal para mitigar os efeitos das tarifas impostas pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros”, diz o texto. “A Fiesp continuará contribuindo com propostas e ações que ampliem a resiliência do setor produtivo e promovam o crescimento sustentável da economia brasileira e continuará dialogando com o setor privado norte-americano”, prossegue a entidade.
No comunicado, a Fiesp diz ainda que “seguirá trabalhando para minimizar os efeitos dessas tarifas em ambos os países e fortalecer a relação comercial histórica que, ao longo de décadas, têm construído parcerias relevantes para o desenvolvimento econômico e o bem-estar de nossas populações”.
Também por meio de nota, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado (FecomercioSP) diz que “as medidas contra o tarifaço dão fôlego aos setores atingidos” e que “o foco agora deve ser negociar” para a “diminuição das tensões” entre Brasil e EUA.
“As políticas, que envolvem disponibilidade de crédito a empresas mais atingidas, adiamento de arrecadação de impostos, estímulos via compras governamentais e apoio jurídico nos tribunais norte-americanos terão efeitos significativos, sobretudo, para produtos industrializados que, com a taxação do mercado estadunidense, ficam provisoriamente sem direcionamento”, diz a Fecomercio-SP.
A entidade complementa: “O momento é de evitar declarações retaliatórias e evitar discussões públicas improdutivas. É mais relevante negociar com responsabilidade e moderação. Só assim as medidas – que a federação entende não terem fundamento econômico – terão a chance de ser revertidas”.
MP “Brasil Soberano”
Apelidada pelo governo de Brasil Soberano, a MP prevê uma série de ações com foco em auxiliar os pequenos empreendedores a diminuir os prejuízos causados pelas novas taxas. As medidas passam a valer imediatamente após a assinatura e precisaram ser aprovadas em até 120 dias pelo Congresso.
A MP passa a tramitar no Congresso com a criação de uma comissão mista, composta por deputados e senadores, que vão analisar o texto. Depois de aprovada no colegiado, a medida terá que ser aprovada também pelos plenários da Câmara e do Senado. Caso não seja votada em 120 dias, a MP perde a validade.
Um dos pontos que estão no texto é a concessão de linhas de crédito de R$ 30 bilhões para pequenos produtores afetados pelo tarifaço, conforme antecipado por Lula.
Entre os principais pontos da MP, estão:
- Fundo de Garantia à Exportação (FGE): de acordo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), a partir de agora o FGE passa a operar em todo o setor de exportação no Brasil, não apenas nos setores ligados ao tarifaço. De acordo com ele, o governo entende que não é possível antever os problemas.
- Seguro para Exportações: Haddad anunciou também que o governo vai oferecer um seguro para exportações com o objetivo de garantir que pequenos produtores possam operar em novos mercados.
- Compras governamentais: medida deve ser destinada para pequenos produtores de produtos perecíveis ou que não têm outro destino além dos EUA, como é o caso de algumas frutas. A ideia é que o governo compre o excedente para que seja utilizado em merendas escolares e na alimentação de pessoas privadas de liberdade.
- Ampliação do Reintegra: programa para pequenas empresas exportadoras que permite recuperar 3% dos tributos pagos ao longo da cadeia produtiva. Com a MP, todas as empresas terão acesso à medida. Micro e pequenas empresas devem recuperar 6% dos tributos pagos a partir da vigência da MP. Haddad afirmou, no entanto, que o mecanismo deve valer somente até o final de 2026.
- O pacote foi apresentado uma semana após o “tarifaço” de 50% sobre as exportações brasileiras entrar em vigor. O escopo das medidas foi montado pela equipe econômica nos últimos dias.
O governo estima que 36% das exportações brasileiras serão sobretaxadas em 50% para entrar nos EUA, segundo o vice-presidente e ministro Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB).
A sanção comercial faz parte de um conjunto de medidas protecionistas impostas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, a diversos parceiros comerciais, como União Europeia, China e Índia.
Inicialmente, a imposição de tarifas unilaterais estava prevista para entrar em vigor em 1º de agosto, mas o prazo foi prolongado para 6 de agosto. Às vésperas do tarifaço, Trump assinou uma ordem executiva que oficializou a sobretaxa de 50% contra os produtos comprados do Brasil, além de isentar cerca de 700 produtos da taxação.