O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) autorizou uma mulher de 43 anos a usar os óvulos de sua cunhada no procedimento de fertilização in vitro – técnica de reprodução que envolve a fecundação fora do corpo da mulher, com a posterior transferência do embrião para o útero.
A mulher autora do pedido tem 43 anos e recebeu o diagnóstico de que não possui condição para engravidar naturalmente e, para ter um filho, deveria se valer da fertilização in vitro.
Após o pedido feito à justiça de primeiro grau, foi autorizada liminarmente a realização do procedimento. Contudo, o Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego) se posicionou contra o uso do óvulo da cunhada.
O argumento da autarquia é de que tal permissão viola uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que limita o grau de parentesco entre doadores e receptores.
A Resolução CFM nº 2.320/2022 determina que a doação, quando feita entre pessoas conhecidas, só é permitida até o 4º grau de parentesco consanguíneo. Isso inclui pais e filhos (1º grau), avós e irmãos (2º grau), tios e sobrinhos (3º grau) e primos (4º grau), desde que não incorra em consanguinidade.
A cunhada, portanto, ficaria de fora da lista permitida pelo CFM.
No recurso, o Cremego afirma que, além da decisão de 1º grau contrariar tal resolução, o procedimento poderia causar danos à criança gerada.
“A autarquia defende a manutenção da regra do anonimato na doação de gametas, sob fundamentos bioéticos e psicossociais, ressaltando que a quebra desse anonimato, especialmente em contextos de vínculos familiares por afinidade (como cunhados), pode gerar conflitos futuros, afetando a estabilidade emocional dos envolvidos, a relação familiar e a própria formação da criança”, diz trecho do documento.
Decisão do TRF-1
Com o recurso do Cremego, o caso chegou ao TRF-1 e teve parecer desfavorável pelo Ministério Público Federal (MPF), que manifestou-se contra o pedido do Conselho.
O desembargador Flávio Jardim negou o recurso do Cremego com o argumento de que a a proibição vai contra o direito ao planejamento familiar, previsto na Constituição.
“Esse dispositivo consagra a autonomia dos indivíduos no exercício de sua liberdade reprodutiva, assegurando-lhes o direito de constituir família segundo suas escolhas, o que inclui, evidentemente, o recurso às técnicas de reprodução assistida”, afirmou.
O desembargador admite que a resolução do CFM tem “finalidade legítima e conteúdo ético relevante”, porém, possui natureza infralegal e, dessa forma, não pode se sobrepor a normas constitucionais -especialmente tendo em vista que o caso trata de um cenário em que as partes demonstram ter consciência e responsabilidade pela escolha.
“No presente caso, tanto a doadora quanto a receptora são tratadas pelo agravante [Cremego] como hipossuficientes, sem a capacidade de compreender plenamente suas próprias escolhas. O ato do Conselho restringe a autonomia e a autodeterminação dessas mulheres, impedindo, ainda, a realização de seus projetos de vida e da busca pela felicidade, conforme tinham planejado”, afirmou o desembargador em sua decisão