Imagine viver em uma ilha paradisíaca, rodeada por corais e águas transparentes. Agora imagine ter apenas 26 anos e começar a considerar a possibilidade de viver mais do que essa ilha. De ver, com os próprios olhos, seu país desaparecer. Debaixo d’água.
Foi nisso que pensei ao conhecer a história de Grace Malie, ativista climática e cidadã de Funafuti, em Tuvalu — um arquipélago formado por nove ilhas, localizado no meio do Pacífico.
Nas últimas semanas, Tuvalu ganhou destaque na mídia brasileira. Em apenas quatro dias, cerca de 3 mil cidadãos — quase um terço da população — solicitaram algo inédito até então: um visto climático para deixar sua terra natal e recomeçar a vida em outro país, tamanho o risco imposto pelas mudanças do clima. Um acordo sem precedentes permitirá que até 280 tuvaluanos sejam realocados, anualmente, para a Austrália, a cerc de 5 mil quilômetros de distância.
Tuvalu é hoje uma das nações mais vulneráveis à crise climática. Cientistas preveem que todas as suas ilhas estarão submersas até o fim do século.
A migração climática é uma das consequências mais urgentes e complexas da emergência climática global. Segundo a revista New Scientist, entre 25 milhões e 1 bilhão de pessoas poderão ser forçadas a se deslocar até 2050, por conta das mudanças do clima e de outros fatores ambientais. Para onde toda essa gente irá?
Assim como Grace, outros jovens tuvaluanos têm refletido sobre o futuro de sua terra, sua cultura e identidade — uma preocupação que também mobiliza as autoridades locais. Diante da possibilidade real de desaparecimento, o país está criando uma cópia digital de tudo — das casas às árvores — numa tentativa de preservar ao menos parte de sua existência.
Sim, um metaverso. Da vida real.
Batizado de Digital Nation, o projeto busca conservar o patrimônio material e imaterial de Tuvalu. Os cidadãos foram convidados a enviar seus pertences mais preciosos — objetos sentimentais, histórias de família, cultura — para digitalização. A ideia é formar um acervo que “carregue a alma de Tuvalu”.
Essa experiência pode abrir caminho para outras nações insulares que enfrentam ameaças semelhantes. O direito internacional também precisará se adaptar a essa nova realidade. E ainda será necessário lidar com divisões internas, pois nem todos os cidadãos querem abandonar sua terra.
Grace Malie foi categórica em seu discurso na Assembleia Geral da ONU: os cidadãos de Tuvalu “não irão silenciosamente para dentro do mar crescente”. Eles continuarão a lutar por sua terra, sua cultura e seu futuro.
“Está em jogo muito mais do que apenas nossas casas”, declarou. “É nossa dignidade, nossa cultura, nosso patrimônio. Não é algo que possamos colocar em malas e levar conosco. Fomos os que menos contribuíram para essa crise, mas estamos pagando o preço mais alto.”