A viúva de uma vítima da ditadura militar recebeu uma indenização de R$ 590 mil pela morte do marido, um militante de esquerda, pelas mãos de agentes do estado brasileiro.
Maria Madalena Prata Soares, 78 anos, é viúva de José Carlos Mata Machado, que atuou pelos grupos Ação Popular (AP) e pela Ação Popular Marxista-Leninista (APML). Quando morreu, em 1973, deixou a mulher e um filho, hoje com 53 anos.
Mata Machado morreu sob tortura no DOI-Codi do Recife, junto com outro militante, Gildo Lacerda. Ambos foram presos em cidades diferentes – Mata Machado em São Paulo, e Gildo, em Salvador – antes de serem levados ao Recife.
“Teatro de Caxangá”
A versão falsa do regime militar é que os dois foram mortos por outro militante, que fugiu após um tiroteio. Segundo nota da época, Mata Machado e Gildo foram atingidos por tiros na avenida Caxangá, na capital pernambucana, por alguém chamado Antônio, que teria atirado após desconfiar da presença de policiais à paisana.
A farsa ficou conhecida como Teatro de Caxangá, uma referência à versão pouco convincente dos militares. A Comissão Nacional da Verdade provou que a versão tinha sido plantada apenas para encobrir a morte dos dois e também o desaparecimento de Paulo Stuart Wright, identificado como Antônio.
Os restos mortais de Mata Machado foram achados no início dos anos 1990, na vala clandestina de Perus, na capital paulista, com todos os ossos do crânio quebrados. A morte do militante só foi reconhecida pelo estado em 1995.
“Não foi dado ao cônjuge da autora a condição de morto, muito menos de vivo. Foi-lhe emprestado um status diverso, semelhante às almas do purgatório de Dante, o de ‘desaparecido’”, diz a petição da ação de indenização.
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Justiça tardia
A sentença condenatória contra a União saiu em 2003, ocasião em que o juiz federal Carlos Augusto Tôrres Nobre rejeitou a alegação da União de que os atos do militante contribuíram para a sua morte.
“Quando o Estado custodia pessoas, é dever inafastável zelar pela integridade física delas. Se o agente estatal chega ao limite intolerável da barbárie e tortura, que não justifique seu ato criminoso com rótulos que pôs na vítima. O vício moral é do torturador. É nas suas entranhas que se aloja a sementeira do mal. Não deve buscá-la em outrem”, escreveu o magistrado na sentença.
A sentença só transitou em julgado em 2023, quando foram esgotados os recursos da União, que argumentava que o direito de indenização estava prescrito.
“É notável a demora para um desfecho. Ainda que tardia, foi feita Justiça à família. Há vasta jurisprudência no sentido de que são imprescritíveis as ações indenizatórias por atos contra os direitos fundamentais praticados por agentes do Estado”, afirmou Eduardo Diamantino, um dos advogados que atuou na ação.