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    A Pátria rejeita anistia (por Mary Zaidan)

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    7 de Setembro de 2021. No palanque da Avenida Paulista, o então presidente Jair Bolsonaro exorta a desobediência à Justiça e dispara contra o ministro do STF Alexandre de Moraes: “Só saio [da Presidência] preso, morto ou com vitória” – e “quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso”. Inelegível, em prisão domiciliar, atado a uma tornozeleira eletrônica e prestes a ser condenado por tentativa de golpe, o ex que se divertia com coro dos fiéis – “Imbrochável! Imbrochável!” -, aposta agora em uma anistia abjeta, rejeitada pela maioria do país. E, como biruta ao vento, coloca fichas em alternativas excludentes, até um tanto bizarras.

    Com diferentes patrocinadores, as ideias pró-anistia se colidem frontalmente. Na prática – e felizmente para o país – uma inviabiliza a outra. Ações do filhote zero três só atrapalharam, tarifas e sanções de Trump pró-Bolsonaro agravaram as tensões e fermentam a popularidade do presidente Lula; armações do Centrão para aliviar penas são minadas pelos próprios Bolsonaros.

    Assunto praticamente descartado depois da chantagem tarifária de Donald Trump, comemorada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) – auto exilado nos Estados Unidos desde o Carnaval para conspirar contra o Brasil -, a anistia voltou a ganhar corpo na Câmara dos Deputados a partir da negociação entre o Centrão e o governador de São Paulo Tarcísio de Freitas, alinhavada pelo ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL).

    A trama pressupunha livrar Bolsonaro da cadeia em troca do apoio do ex e dos seus à candidatura de Tarcísio à Presidência. Tudo parecia acertado, e Tarcísio, candidatíssimo, prometeu indulto ao ex e foi à luta. Reuniu-se com líderes à direita e com o presidente da Câmara, Hugo Motta.

    Mas negociar com os Bolsonaros não é tarefa fácil. Até mesmo para quem, como Lira, não dá ponto sem nó. Portanto, não causou surpresa que no meio do caminho tenha surgido o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), com um projeto de anistia ampla, geral e irrestrita para o passado, presente, futuro, incluindo reabilitação de elegibilidade e de delitos ainda não perpetrados.

    Cavalcante é o mesmo que tentou modificar a lei de interrupção da gravidez com a proposta infame de punir o aborto de uma vítima de estrupro com pena maior do que a do estrupador. Para o bem das mulheres e do país, perdeu lá e, provavelmente, perderá agora pelo exagero do descaramento.

    Além de enterrar a anistia nos termos que Bolsonaro e sua família gostariam, o movimento do líder do PL, obviamente ditado pelo ex, coroou Tarcísio como bobo da corte.

    O governador paulista, que já havia tropeçado feio ao vestir o boné Make America Great Again e defender o tarifaço de Trump, jogou fora de vez a aura de moderado que construíra sem nada ganhar. Continua sendo o candidato predileto dos endinheirados e do Centrão, mas perderá o apoio explícito do clã Bolsonaro caso rejeite a emenda Cavalcante, que, na delirante hipótese de ser votada e aprovada, reabilitaria a elegibilidade de Bolsonaro e deixaria Tarcísio fora do jogo. Só falta pintar o nariz de vermelho.

    Se a proposta alucinada de Cavalcante tende a não prosperar, a anistia mais branda costurada pelo presidente do Senado Davi Alcolumbre (União-AP) até com ministros do Supremo, tem grandes chances de vingar. Nela, pretende-se reduzir as penas dos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 sem que o perdão alcance militares e o ex.

    Mesmo essa versão light é repudiada pelos brasileiros. Pesquisas apontam que 56% (Quaest)/ 55% (Datafolha) são contra a redução de penas para os que depredaram as instalações dos Três Poderes, e apenas 16% (Quaest) acham que eles não deveriam ter sido condenados. Mais uma demonstração claríssima de que o Parlamento – mesmo tentando ser mais soft – não fala a língua do país.

    Beira a ficção ou piada de muito mal gosto o fato de parcela do Congresso ter se dedicado ao debate sobre anistia no momento em que o núcleo crucial dos acusados de tentativa de golpe de Estado, entre eles um ex-presidente da República e militares de alta patente, começa a ser julgado. Atitudes que desonram o Parlamento, os eleitores e o país que juraram defender. Promovem o golpismo.

    7 de setembro de 2025. Neste Dia da Pátria que abre a semana em que a Primeira Turma do Supremo começa a proferir seus votos, nunca é demais lembrar que as ameaças de Bolsonaro ao Estado de Direito e à democracia começaram há exatos quatro anos: “Só saio preso, morto ou com vitória”. Foi derrotado e não será morto.

     

    Mary Zaidan é jornalista