No primeiro dia do julgamento dos golpistas de dezembro de 2022 e de 8 de janeiro de 2023, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tirou a máscara e pôs o boné da anistia para Bolsonaro, seu ex-colega de farda. Para quem já pôs o boné de Donald Trump quando ele se reelegeu, nada demais. Para quem diz não acreditar na Justiça por tudo o que tem visto, é natural.
Tarcísio entende que a pacificação do país só será possível se Bolsonaro e os demais golpistas forem anistiados, e isso depende do Congresso onde a direita detém a maioria dos votos. É o contrário do que pensa Alexandre de Moraes, e com certeza 8 dos seus 11 pares. Os ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça, nomeados por Bolsonaro, talvez pensem diferente.
“A História nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação. Pois o caminho aparentemente mais fácil que é o da impunidade, que é o da omissão, deixa cicatrizes traumáticas na sociedade”, disse Moraes na abertura do julgamento. Paulo Gonet, Procurador-Geral da República, foi direto ao ponto:
“Quando o presidente da República e o ministro da Defesa se reúnem com comandantes militares, sob sua direção política e hierárquica, para consultá-los sobre a execução final do golpe, o golpe, ele mesmo, já está em curso de realização”.
Golpe, se consumado, não é apreciado pela Justiça. O que começou em 31 de março de 1964 e foi concluído com êxito em 1º de abril ditou suas próprias leis nos 21 anos seguintes. Sob pretexto de salvar o Brasil do comunismo, suprimiu a democracia, torturou e matou. Tentativa de golpe de Estado, essa, sim, deve ser apreciada pela Justiça para que não prevaleça a impunidade.
No país da jabuticaba, o nosso, a anistia, na maioria das vezes, foi usada para perdoar os criminosos, e não necessariamente para beneficiar suas vítimas. A anistia de 1979, que libertou presos políticos e permitiu a volta dos exilados, foi concebida antes de tudo para evitar a punição mais tarde dos autores de “crimes de sangue” – tortura, assassinatos e desaparecimentos.
Não sei se Tarcísio, engenheiro militar por formação, é um estudioso de História, e se gosta de ler livros. Bolsonaro não gosta, como ele mesmo já confessou. Na mesa de cabeceira de sua cama no Palácio da Alvorada, repousava, intocável, o livro de memórias do coronel torturador Brilhante Ulstra. Ele invocou o coronel ao votar a favor do impeachment de Dilma.
Foi uma das cenas mais repugnantes jamais vista, nem mesmo no período da ditadura militar. Se o Congresso tivesse punido Bolsonaro à época, ele talvez tivesse aprendido alguma coisa com isso. Se não, sua carreira política não teria sido tão longa, culminando com a eleição para presidente, a derrota para Lula e a tentativa de golpe. Ou melhor: as tentativas, porque foram várias.
Se não for pedir muito, Tarcísio deveria debruçar-se sobre a trajetória de Bolsonaro para não a repetir – seja por admiração irrefletida, engano ou ignorância.
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