Na tarde de ontem (11/9), enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) formava maioria para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a 27 anos e três meses de prisão, alguns poucos militantes, em um caminhão de som, velavam a entrada do condomínio Solar de Brasília, onde ele está em prisão domiciliar.
Na sede do PL, no edifício de escritórios Brasil 21, a poucos minutos do STF, ninguém tinha a menor ideia do que fazer. O presidente do partido, Valdemar da Costa Neto, saiu-se com uma declaração esdrúxula sobre uma possível candidatura do ministro Luiz Fux ao Senado, após sua aposentadoria no Supremo. E só.
De acordo com um ex-assessor próximo de Bolsonaro, não há no PL plano algum para o “after day”, como disse o capitão reformado. Zero.
Agora, caro leitor, compare esse barata-voa desolador com o momento da prisão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2018. Acólitos do petista negociaram com a Polícia Federal (PF) os termos da rendição de seu líder, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP). Fizeram discursos. Planejaram meticulosamente o momento.
A detenção em São Bernardo virou ato cênico. Com auxílio de um drone, um jovem fotógrafo de talento, Francisco Proner Ramos, produziu a foto de Lula que rodou o mundo. E aquilo foi só o “welcome drink” do petismo.
Depois veio o “acampamento Lula Livre” na rua Sandália Monzon, em Curitiba (PR). Ali, uma multidão se reunia diariamente para gritar “bom dia, presidente!” e “boa-tarde, presidente!” na frente da Superintendência da PF. Houve importante mobilização de porta-vozes na imprensa, na intelectualidade e no meio jurídico.
A prisão de Lula se deu por conta da condenação no caso do “tríplex do Guarujá”, o mais fraco contra ele na Lava Jato. Foi condenado pelo ex-juiz Sérgio Moro em 2017 e depois pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). A pena foi de 12 anos e 1 mês, por corrupção e lavagem de dinheiro. Ao contrário do que repete o petismo mais indigente nas redes, Lula nunca foi “inocentado” no mérito. Seus casos foram anulados por tecnicidades.
De qualquer forma, começa no Paraná o arco que termina com duas ex-integrantes do “acampamento Lula Livre” subindo a rampa do Palácio do Planalto, em 1º de janeiro de 2023. Uma é a primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja. A outra é a cadela Resistência, que rondava o acampamento petista em Curitiba e terminou morando no Palácio da Alvorada.
No bolsonarismo, não há nada disso. Segundo aliados do ex-presidente, as únicas providências que estão sendo tomadas no momento são no campo jurídico, no sentido de tentar manter Jair Bolsonaro em prisão domiciliar.
Mais para frente, dizem, o objetivo é lutar pela anistia no Congresso. Um alvo elusivo, dado que não há coesão nem dentro da direita sobre que tipo de anistia é a ideal. A família Bolsonaro exige o “programa máximo”, como se diria no jargão leninista. Já outros nomes da direita aceitam a versão “light”, aquela que salva apenas os baderneiros do dia 8.
Esse contraste é resultado das diferenças de organização entre o petismo e o bolsonarismo. O primeiro é hierárquico, centralizado, organizado em torno de um credo comum e firmemente controlado pela geração boomer. Tem seus próprios santos, mártires, dogmas.
Já o segundo é um junta-prato de políticos com diferentes trajetórias, vagamente relacionados entre si, cada um lutando pela própria sobrevivência em termos de likes e votos.
O déficit organizativo do bolsonarismo ficou claro em 2019, quando ele tentou botar de pé seu próprio partido, o “Aliança pelo Brasil”. Mesmo com toda sua popularidade, não conseguiu. Aparentemente, a maioria das fichas tinha erros de preenchimento.
Fila de pretendentes ao trono de Bolsonaro
Outra diferença capital é que, na direita, há uma fila de pretendentes ao trono de Jair Bolsonaro. Alguns disfarçam melhor que outros, mas todos estão atentos ao desenrolar dos acontecimentos, esperando a vez. Em entrevista recente ao Metrópoles, o filho 03 de Jair, Eduardo Bolsonaro, demonstrou plena consciência dessa realidade.
No petismo, não. Tal como Cronos, o titã da mitologia grega, Lula devora seus filhos simbólicos para evitar ser destronado por um deles. Aos 79 anos, Lula segue sendo os planos A, B e C da esquerda. Salvo algum infortúnio, deve ser novamente o representante do partido nas urnas no ano que vem. Com seu egoísmo, Lula e seus companheiros bloquearam o caminho de uma geração inteira de militantes de esquerda.
Seja como for, a proliferação de candidatos à vaga da direita é um incentivo a mais para que não haja nenhuma campanha “Bolsonaro Livre”. Simplesmente não há ninguém interessado nisso.
Um cenário alternativo possível é o da família conseguir arrastar a direita como um todo para um período de “sebastianismo”, no qual esse campo político ficaria vegetando à espera da volta de um Jair redivivo, montado em sua Harley-Davidson de madeira, a “harley-mito”. É para isso que o núcleo duro trabalha.
O mais provável, porém, é que Bolsonaro vá mesmo perdendo gradualmente seu capital político e sua relevância como alternativa de poder.