O laudo oficial do Exército que aponta o suicídio do soldado Christian de Paiva Korosi, de 19 anos, em julho de 2024 em um quartel de São Paulo, é marcado por divergências.
De acordo com a perícia independente contratada pela família do jovem, que contesta a versão, o documento descreveu sinais de tiro encostado e, ao mesmo tempo, indícios de disparo à curta distância. Além disso, registrou altura de 1,74 metro para o jovem, quando, na verdade, ele media 1,62 metro. Também não estão documentados vestígios obrigatórios, como o impacto do projétil na guarita.
As falhas, segundo a família, se somam a atrasos inexplicáveis. O celular do militar foi devolvido à mãe, Juliana Korosi, somente sete meses após a morte, sem perícia, após pedido do Ministério Público Militar. Já o fuzil que teria sido usado no suposto suicídio demorou 58 dias para ser enviado aos peritos, inviabilizando a coleta de vestígios.
Como revelado pelo Metrópoles, por causa dessas inconsistências, a mãe do soldado tenta há cerca de um ano reabrir a investigação do caso.
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Mãe e filho em um fim de semana em casa
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Christian posa para fora entre a tia Camilly (esquerda) e a mãe Juliana
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A morte de Christian
Na madrugada de 27 de julho de 2024, Christian saiu de casa, na zona norte de São Paulo, dizendo à mãe: “Eu volto hoje”. Horas depois, Juliana recebeu a visita de três militares e a notícia de que o filho tinha tirado a própria vida na guarita do quartel.
A mãe lembra que, enquanto chorava no quarto, um dos militares se aproximou e disse em voz baixa: “Tia, o Christian não se matou”. A semente da dúvida foi instalada e só ganhou força desde então.
Além do laudo independente que apontou falhas graves na coleta de provas, havia contradições nos depoimentos. Testemunhas divergiram sobre os horários em que ouviram o alarme e sobre a forma como encontraram Christian na guarita.
Para Juliana, essas inconsistências reforçam que a versão de suicídio não se sustenta. “Meu filho queria sair do Exército para prestar concurso para a Polícia Militar. Ele tinha planos, não faz sentido acreditar que se matou.”
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A advogada Marinalva de Aguiar, que representa a família, afirma que a apuração militar foi conduzida sem o devido rigor técnico. “Muita coisa foi acobertada. Hoje não conseguimos mais coletar DNA. Por que o Exército faria isso? É óbvio: jamais a União vai falar ‘Cometemos um erro’.”
As contradições (veja mais abaixo) também aparecem no prontuário médico incompleto, na demora para a análise do fuzil e no reaparecimento tardio do celular — elementos que, segundo a defesa, inviabilizaram uma investigação imparcial.
Veja as falhas da investigação:
- Tipo de disparo – O laudo do Exército apontou sinais de tiro encostado e de curta distância ao mesmo tempo, combinação considerada incompatível por peritos independentes.
- Altura divergente – O exame necroscópico registrou 1,74 m de altura para Christian, mas documentos médicos e o caixão apontam que ele media 1,62 m.
- Estojo em local improvável – O cartucho deflagrado foi encontrado em posição diferente da que seria esperada na dinâmica de um disparo de suicídio.
- Cena mal registrada – Fotos essenciais da cena do crime não foram feitas, e manchas de sangue em um objeto semelhante a um segundo fuzil sequer foram mencionadas no laudo oficial.
- Celular desaparecido – O aparelho de Christian só apareceu cinco dias após a morte, sem registro do local exato, e ficou sete meses sob posse do Exército sem perícia.
- Fuzil entregue fora do prazo – A arma só foi enviada para exame 58 dias após o crime, quando vestígios químicos que comprovariam o disparo já haviam se perdido.
Diante desse quadro, o Ministério Público Militar requisitou novas diligências. O promotor Adilson José Gutierrez pediu à Polícia Científica de São Paulo esclarecimentos sobre os laudos oficiais e solicitou documentos ao Exército. Para ele, apenas uma análise aprofundada das provas poderá afastar as contradições que cercam a morte do soldado.
Juliana resume sua luta em poucas palavras: “Quero honrar a memória do Christian e provar que ele não era um suicida. O que aconteceu com ele precisa ser esclarecido.”
O que diz o Exército
O Comando Militar do Sudeste (CMSE) afirmou ao Metrópoles, em nota, que realizou novas diligências sobre o caso, nessa quinta-feira (25/9) — um dia depois de ser demandado pela reportagem —, atendendo pedido do Ministério Público Militar.
Afirmou ainda que a conclusão do laudo oficial que indica o suposto suicídio de Christian foi fundamentado em análises periciais e “demais provas produzidas”. O arquivamento do caso foi feito por determinação da Justiça Militar da União e da Promotoria Militar, segundo o Exército.
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“Cabe esclarecer que o local onde o fato ocorreu foi devidamente preservado, conforme as normas vigentes, cabendo ao órgão pericial do Exército a realização da perícia, em razão de o fato ter ocorrido em área sob jurisdição militar”, diz a nota.
O Comando do Sudeste acrescentou que o Instituto Médico Legal removeu o corpo do soldado “diretamente do cenário do ocorrido” com a conclusão “dos trabalhos periciais” .
Por fim, o Exército disse que se solidariza com a família e que pauta suas ações “pelo respeito irrestrito à legalidade”.
Nenhum posicionamento foi feito sobre as contradições apontadas no laudo particular. O caso seguia engavetado até a conclusão desta reportagem.
