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    CGU mapeou envio relâmpago de documentos ao INSS sobre descontos

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    A auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) que analisou diversas etapas dos Acordos de Cooperação Técnica de entidades associativas com Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) identificou uma resposta relâmpago, enviada em apenas 8 minutos ao órgão por uma das entidades para confirmar adesão a uma regra transitória que possibilitava a validação de descontos de beneficiários.

    Tratava-se de um “termo de compromisso” que as entidades deveriam pactuar para que os descontos de aposentados e pensionistas pudessem ser registrados sob a utilização de tal regra transitória de autorização de averbação dos descontos.

    O centro do imbróglio é a Instrução Normativa PRES/INSS nº 162/2024, que determinou que os descontos só poderiam ocorrer com autorização “prévia, pessoal e específica” por parte do beneficiário, mediante um termo de adesão com assinatura eletrônica e validação biométrica, cujos requisitos seriam definidos pela Dataprev.

    No entanto, como mostrou a coluna, em 2024, o INSS autorizou o uso de soluções transitórias próprias da entidades para filiação eletrônica, mesmo sem a devida validação técnica da Dataprev.

    Segundo a auditoria, depois das novas diretrizes estabelecidas pela IN, e diante do aumento de descontos no início de 2024, assim como um volume grande de denúncias de segurados sobre descontos sem a devida autorização, o presidente do INSS à época suspendeu novas averbações em abril de 2024, até que a solução definitiva da Dataprev fosse implementada.

    No mês seguinte, porém, algumas entidades solicitaram permissão para usar sistemas próprios de filiação eletrônica com desbloqueio automático dos benefícios dos novos associados, alegando que atendiam aos critérios de segurança estabelecidos pela normativa.

    Em 29 de maio de 2024, a Dataprev emitiu nota técnica, após questionamento do INSS acerca da possibilidade das soluções próprias indicadas, estabelecendo critérios mínimos para a verificação de biometria facial. Tais critérios incluíam captura de biometria com prova de vivacidade (chamada de liveness), autenticação por reconhecimento facial e validação em bases oficiais do governo.

    A Dataprev alertou, no entanto, que as soluções das entidades não atendiam integralmente às exigências, ressaltando que caberia ao INSS decidir sobre a eventual autorização transitória.

    Por fim, propôs que caso o INSS decidisse quanto à possibilidade de utilização de solução própria das entidades, que o início da operacionalização começasse apenas no final de junho de 2024, com repercussão e repasse às entidades em julho de 2024.

    Ainda assim, no dia seguinte, em 30 de maio, o INSS solicitou à Dataprev a adoção de solução para implementação da regra transitória, com utilização de solução de filiação eletrônica própria das entidades, para que os repasses ocorressem ainda na competência de junho de 2024.

    Um dia depois, em 31 de maio, o presidente do órgão autorizou os pedidos das entidades, condicionando a autorização apenas à assinatura de termos de compromisso, o que foi comunicado às associações em 3 de junho.

    “No dia 03.06.2024, conhecendo o posicionamento da Dataprev que as soluções apresentadas pelas entidades não atendiam integralmente os requisitos estabelecidos pela Empresa, o INSS comunicou todas as entidades com acordos vigentes sobre a aprovação de regra transitória e encaminhou o modelo do termo de compromisso a ser pactuado, estabelecendo o mesmo dia como prazo final para o envio do documento assinado, de modo que os descontos pudessem ser registrados ainda naquela competência”, afirmou a CGU.

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    Diante do comunicado, a CGU afirma que algumas entidades levaram menos de uma hora para enviar o termo de adesão solicitado pelo INSS de volta. Uma delas, a Masterprev, levou apenas 8 minutos.

    Outras levaram menos de meia hora. É o caso da ABCB (20 minutos), da CENAP.ASA (24 minutos), e da AAPEN (29 minutos). As demais entidades citada pela CGU levaram de 42 minutos a duas horas para responder.

    Todas elas são citadas na investigação da “farra do INSS”, que apura irregularidades em descontos bilionários de aposentados e pensionistas do órgão e que resultou na deflagração da operação Sem Desconto em abril deste ano.

    A Controladoria, embora afirme que o INSS tenha determinado o prazo final para retorno no mesmo dia, fez ressalvas sobre a rapidez das respostas, levantando dúvidas sobre a verificação efetiva do atendimento dos requisitos técnicos previstos pela Dataprev.

    “O curto tempo de resposta indica ausência de tempo hábil para qualquer verificação
    efetiva de conformidade com os requisitos técnicos previstos pela Dataprev, aspecto não considerado pelo INSS. Ressalta-se que o termo de compromisso, além de prever que as autorizações de desconto associativo estariam em conformidade com os requisitos técnicos previstos pela Dataprev, também condicionava a averbação ao desbloqueio do benefício e ao fornecimento da documentação contendo assinatura eletrônica avançada e biometria facial correspondente”, afirma a CGU.

    Posteriormente, diz a CGU, o INSS solicitou às entidades a documentação técnica das soluções utilizadas, incluindo detalhes sobre a ferramenta de assinatura eletrônica e biometria facial. No entanto, com exceção de uma entidade, o órgão não solicitou à Dataprev a análise das documentações enviadas, “o que indica ter assumido o risco pela utilização de plataformas sem uma prévia validação”.

    O Portal de Desconto de Mensalidade Associativa, sistema desenvolvido pela Dataprev, foi disponibilizado em 17 de setembro de 2024. Com isso, foram registradas milhares de averbações completas até janeiro de 2025.

    Contudo, segundo a CGU, o INSS decidiu prorrogar a vigência da solução transitória até fevereiro de 2025, “sem realizar avaliação formal dos riscos decorrentes da manutenção dessa solução paralela àquela desenvolvida pela Dataprev, em conformidade com a Instrução Normativa”.

    O resultado disso, conforme a auditoria, foi que entre junho e dezembro de 2024, foram registradas 623.567 novas averbações de mensalidades associativas por meio da solução transitória.

    “Ao autorizar de forma célere, e sem validações técnicas adequadas, a retomada da averbação de descontos associativos por meio de utilização de biometria promovida a partir de utilização de sistemas próprios das entidades, mesmo diante de alertas da Dataprev quanto ao não atendimento dos requisitos mínimos de segurança, o INSS assume o risco de as entidades realizarem essas averbações sem a devida autorização dos beneficiário”!, afirmou a CGU.

    Tal medida de flexibilização foi definida como “falha grave” pela CGU.

    Sede da Controladoria-Geral da União (CGU)

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    Defesa

    Durante a auditoria, o INSS foi consultado pela CGU, afirmando que já possuía diversas medidas de melhoria quanto aos ACTs sendo implementadas com o objetivo de sanar irregularidades, além de ressarcir os beneficiários que foram afetados pelos descontos indevidos.

    Segundo consta no relatório da Controladoria, em resposta, o INSS já havia afirmado que deu início a um processo institucional de revisão e robustecimento dos fluxos e controles dos descontos associativos no sentido do aperfeiçoamento da gestão.

    O INSS também destacou que orientou os segurados quanto à verificação de possíveis descontos de mensalidade associativa por meio do extrato de benefícios. Caso fosse identificado algum desconto não autorizado, informou que seria possível solicitar o imediato bloqueio dos descontos.

    “Assim, verifica-se que, no âmbito do INSS, em meio ao recebimento de recomendações e/ou determinações de controle da CGU e do Tribunal de Contas da União (TCU), a Autarquia já vinha adotando medidas iniciais voltadas ao aprimoramento da situação”.

    Um dos exemplos que vêm sendo trabalhados, segundo o INSS, é a implementação de uma ferramenta, juntamente com a Dataprev, que exija a confirmação, via MEU INSS, do termo de adesão aos descontos.

    O INSS afirmou ainda que não há previsão de celebração de novos ACTs ou mesmo restabelecimento dos acordos suspensos, e nem de quais serão os termos que serão abordados para formalizar os acordos.

    O órgão também ressalta que só deve voltar a celebrar novos acordos após a conclusão das apurações em curso, “especialmente no que respeita ao ressarcimento aos beneficiários lesados. Não haverá restabelecimento a entidades que causam prejuízos aos beneficiários e ao INSS”.

    O INSS também cita a implementação de uma série de procedimentos de apuração de irregularidades nos ACTs, além de providências adotadas em caráter disciplinar, além da instauração de 12 Processos Administrativos de Responsabilização (PARs), posteriormente avocados pela CGU.

    “Está em curso, na Corregedoria do INSS, Processo Administrativo Disciplinar instaurado em face dos servidores desta Autarquia, destacando que os servidores envolvidos foram preventivamente afastados”, afirmou.

    Por fim, concluiu ressaltando o fato de que as devoluções aos aposentados e pensionistas que tiveram seus benefícios descontados irregularmente já começaram, cujo primeiro pagamento foi em julho deste ano.

    A coluna não obteve contato com as associações citadas.