Internos da Comunidade Terapêutica Liberte-se, no Paranoá, relataram que, um dia antes de incêndio atingir chácara e matar cinco pessoas, foram registradas falhas no sistema elétrico do instituto. A tragédia aconteceu na madrugada de 31 de agosto. Dentro da casa incendiada havia 21 pacientes, que estavam trancados com cadeado.
O Metrópoles teve acesso ao processo que tramita no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). De acordo com os depoimentos colhidos na clínica, ocorreram dois curtos-circuitos em um galpão em construção destinado a reuniões, na tarde do dia 30 de agosto. O galpão se localizava na parte externa, atrás da casa central atingida pelas chamas.
Alguns internos também identificaram faíscas em uma obra externa da chácara, no dia anterior ao incêndio. Um dos pacientes chegou a mencionar “precariedade elétrica recorrente” no local.
Conforme consta nos autos, os próprios internos realizavam reparos na rede elétrica e em outras estruturas, de forma improvisada. Eles também mencionaram fios expostos, ligações clandestinas de energia e curtos-circuitos frequentes no instituto.
Já na madrugada do dia seguinte, por volta das 2h20, iniciou-se o incêndio. Diversos internos relataram terem sido acordados por gritos de “ó o fogo, ó o fogo” e pelo barulho de vidros e telhados sendo quebrados. A fumaça rapidamente tomou conta do ambiente.
De acordo com os internos, no momento em a casa pegou fogo, a energia elétrica estava ausente, e a visibilidade era extremamente reduzida. Devido à intensidade do fogo na entrada, os internos não conseguiram utilizar essa saída. A evacuação foi feita por janelas, que tiveram as grades arrancadas manualmente.
As janelas da casa possuíam grades de ferro fixas, e a porta de acesso era metálica, com vidro, fechada por cadeado pelo lado externo. O espaço era destinado “a internos considerados de maior risco de fuga ou em início de tratamento.
Incêndio provocou uma tragédia
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Lugar funcionava clandestinamente
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As causas do início do fogo são desconhecidas. A 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá) investiga o caso
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Atualmente, a clínica contava com mais de 20 internos
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Darley Fernandes de Carvalho, José Augusto, Lindemberg Nunes Pinho, Daniel Antunes e João Pedro Santos morreram no local.
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O Instituto Terapêutico Liberte-se, casa de reabilitação de dependentes químicos no Paranoá (DF), pegou fogo na madrugada deste domingo (31/8), por volta das 3h.
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Ausência de extintores
No que diz respeito a segurança contra incêndio e pânico, a quase totalidade dos internos ouvidos relataram ausência de extintores e saídas de emergência na clínica.
Também foi afirmado pelos internados que não havia sistema de vigilância contra incêndio, plano de evacuação, detectores de fumaça ou treinamento específico.
O centro terapêutico não tinha alvará e nem a liberação de funcionamento pelo Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF).
A Polícia Civil do DF (PCDF) chegou a receber uma denúncia anônima de que, meses antes da tragédia que matou cinco pessoas acontecer, houve um pequeno incêndio na rede elétrica do instituto, o que poderia ter desencadeado este último.
Aspectos críticos
A investigação preliminar da PCDF apontou aspectos críticos que podem ter contribuído para a gravidade do incêndio na clínica.
Conforme diligências realizadas, as vítimas encontravam-se trancadas pelo lado de fora da casa central, com cadeados na porta de entrada, o que reduziu significativamente suas possibilidades de fuga e reação ao incêndio. As janelas protegidas com grades de ferro também dificultaram a evasão por vias alternativas.
Outro fator relevante identificado foi a ausência de extintores e saídas de emergência acessíveis, bem como a falta de condições adequadas para o combate ao incêndio.
Ainda, segundo o relatório, a instalação elétrica da clínica apresentava fiação exposta, adaptações improvisadas e relatos de curtos-circuitos. As irregularidades podem ter contribuído para a ignição ou propagação do fogo.
Verificou-se, por fim, que alguns internos dormiam sob efeito de medicações administradas com o objetivo de indução ao sono, o que pode ter reduzido ou mesmo impossibilitado sua capacidade de reação diante da emergência.
Prisão de sócios e funcionários
Quatro pessoas envolvidas no incêndio da unidade do Instituto Liberte-se, no Paranoá, foram presas temporariamente pela PCDF, na última quinta-feira (18/9).
A reportagem apurou que um dos proprietários presos é Douglas Costa de Oliveira Ramos, de 33 anos. Também foram detidos sua esposa, Jockcelane Lima de Sousa, 37 anos, e Matheus Luiz Nunes de Souza, 23 anos. A identidade do quarto envolvido não foi confirmada.
Segundo o delegado-chefe da 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá), Bruno Cunha, as detenções dos responsáveis pelo estabelecimento foram necessárias após informações colhidas durante as diligências.
Os presos estão sendo investigados por homicídio doloso, cárcere privado e prescrição de medicamentos sem receituário. Caso sejam condenados pelos crimes, eles podem pegar mais de 30 anos de prisão.
“Outras oitivas que tivemos reforçaram que o comportamento penal relevante deles foi intenso, no sentido de manter as pessoas trancadas no momento do incêndio, não adotando as providências necessárias para fazer o local funcionar de acordo com a lei”, afirmou.
De acordo com o delegado, os sócios da comunidade terapêutica são diretamente responsáveis pelo funcionamento da clínica em desconformidade com a lei.
O resultado da perícia do incêndio ainda é aguardado. “Mas tudo indica que foi causa humana. Resta saber se foi intencional ou não”, comentou o delegado.