Quem anda agora pela Favela do Moinho, no centro de São Paulo, passa boa parte do tempo olhando para casas vazias. Nos escombros daquilo que um dia foram os lares de centenas de famílias, crianças correm descalças e brincam de esconde-esconde atrás de paredes que já não têm portas ou janelas.
A favela está bem mais vazia do que antes. Segundo o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), mais de 60% das famílias — 537 das 880 mapeadas — já deixaram o Moinho desde o início do processo de remoção dos moradores.
Cada casa desocupada é descaracterizada pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), que retira portas e janelas, e quebra pias para que os lugares não voltem a ser ocupados.
Os tijolos quebrados e restos de móveis ficam ali mesmo e alguns lugares, especialmente aqueles onde antes estavam barracos de madeira, viraram ponto de descarte de lixo.
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Casas sem janelas e portas viraram comuns na Favela do Moinho, que já tinha 60% das famílias removidas em setembro de 2025
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Casa descaracterizada na Favela do Moinho
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CDHU retira portas e janelas, mas entulho permanece em imóveis vazios na Favela do Moinho
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Entulho e lixo em casa descaracterizada na Favela do Moinho. Crianças usam espaços como cenários de brincadeiras
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Entulhos se acumulam em pontos onde houve descaracterização de casas
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Favela do Moinho em setembro de 2025, com mais de 60% das famílias removidas
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Moradores que permanecem no local dividem ruas com casas descaracterizadas. Na imagem, imóvel ainda ocupado tem santuário à frente
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Casa vazia após antigos moradores se mudarem
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Em algumas vielas, os imóveis vazios já são maioria na Favela do Moinho
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Casa sem janela em rua da Favela do Moinho
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Casa descaracterizada tem frase religiosa pintada na parede
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Barbearia com parede quebrada e entulho acumulado
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Buraco em parede de barbearia na entrada da Favela do Moinho é sinal de descaracterização do local
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Roupas no varal são “sinal de vida” em ruas cheias de casas descaracterizadas
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Favela do Moinho tem cerca de 900 famílias mapeadas pelo governo estadual
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Lixo em barraco onde vivia acumulador na Favela do Moinho
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Casa sem janela na Favela do Moinho
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Paredes quebradas em rua na Favela do Moinho ao lado de cartaz sobre movimento de moradores no início do ano
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Há vielas que parecem completamente vazias. Em outras, as roupas deixadas no varal indicam que ainda há moradores ali. É o caso de Rose Soares, 27 anos. Com dois filhos pequenos, ela espera o fim do ano para fazer a mudança rumo à zona leste da capital, onde alugará uma casa até que o apartamento da CDHU, previsto para 2027, fique pronto.
“Nas férias escolares é mais fácil [fazer a mudança], né? Eles vão sair e já começam na outra escola”, diz a dona de casa, que passará a viver no Conjunto Habitacional José Bonifácio.
O vizinho dela, Rogerio dos Santos, 34, também já tem data de mudança marcada. Nesse caso, mais perto, no dia 10 de agosto. Ele e o filho também vão morar de aluguel por alguns meses enquanto esperam os trâmites finais do apartamento.
“Eu tô comprando com a carta de crédito. Foi uma benção na nossa vida ser de graça”, diz ele, que está desempregado e afirma que não teria condições de financiar um imóvel antes do acordo feito pelo governo federal com o estadual. Em maio, as gestões Lula (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciaram que custeariam juntas as casas no valor de até R$ 250 mil para famílias do Moinho com renda bruta de até R$ 4,7 mil.
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A futura casa de Rogério tem apenas um quarto e fica no bairro da Luz. Ele diz que preferiu ter um apartamento pequeno do que sair do coração da capital paulista. Baiano, Rogério vive na Favela do Moinho há 10 anos e diz que a cara da comunidade mudou nos últimos meses com a saída das famílias.
“Aqui mudou demais. De noite agora é escuro”, conta ele, explicando que as ruas, antes, eram iluminadas pelas luzes das casas e que atualmente, sem os antigos moradores, parte das vielas ficam apagadas.
Além da escuridão à noite, outra mudança perceptível é nos sons da comunidade. Ainda é possível ouvir o forró e o funk tocando em algumas casas, enquanto o som de pregações e louvores continua em outras, mas o barulho das marretas da CDHU derrubando paredes entrou na “trilha sonora” do Moinho, assim como o silêncio das vielas vazias.
Os comércios também foram desaparecendo, com barbearias, restaurantes e botecos encerrando as atividades depois que os donos receberam um auxílio pago pela prefeitura da capital paulista.
Quem continua na favela diz que é questão de tempo até que todos saiam e o silêncio reine de vez no terreno localizado entre os trilhos dos trens das linhas 8-Diamante e 10-Turquesa.
O tempo para a liberação das cartas de crédito e os entraves burocráticos do processo, no entanto, parece ser um entrave para que alguns moradores deixem o local.
O Metrópoles ouviu relatos de que pessoas que foram à procura de imóveis para comprar, após o anúncio do acordo entre os governos federal e estadual, acabaram perdendo negociações já em andamento por causa da demora na liberação das cartas de crédito. Foi o que aconteceu com Renato Modesto, 32.
“Tem uma semana que o corretor me mandou mensagem dizendo que o proprietário vendeu para outra pessoa. Para mim, ele venderia pelo preço da carta de crédito, mas agora já vendeu mais caro, porque outra pessoa chegou com o dinheiro à vista”, conta ele. “A maioria das pessoas não gosta de esperar o governo porque demora para pagar”.
Em nota, a Caixa Econômica Federal disse que os moradores que optarem por imóveis oferecidos pela CDHU podem iniciar ou prosseguir normalmente com os processos de contratação junto à companhia, porque o banco providenciará a quitação do imóvel pelos critérios do Programa Minha Casa Minha Vida.
Já para os beneficiários que optarem por adquirir imóveis que não façam parte do CDHU, como é o caso de Renato, o processo de contratações está previsto para começar ainda neste mês. Segundo a Caixa, os moradores da comunidade serão devidamente comunicados.
“A publicação das atualizações da lista com a inclusão de novos beneficiários ocorrerá conforme a Caixa receber da CDHU novos lotes de candidatos a beneficiários com os cadastros atualizados no Cadúnico, a cargo do governo do estado de São Paulo e da Prefeitura de São Paulo. O banco reforça que a publicação dos nomes dos beneficiários no site da Caixa é suficiente para que seja iniciado o processo de aquisição do imóvel até o valor de R$ 250 mil, não sendo necessária a emissão de carta de crédito”.
A Subprefeitura Sé informa que está atuando em parceria com a CDHU na realização da limpeza e na coleta de resíduos provenientes do processo de desocupação da Favela do Moinho. O serviço de limpeza, que é coordenado pela CDHU, é executado de forma contínua, acompanhando o andamento das ações no local.
Já a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano e Habitação de São Paulo disse que, até o momento, todos os custos envolvidos no reassentamento das famílias vêm sendo arcados pelo estado e que aguarda a participação efetiva da Caixa Econômica Federal na operação. “Até que isso ocorra, o estado seguirá custeando integralmente as despesas, de modo a assegurar que nenhuma família seja prejudicada”, diz a nota.
Como mostrou o Metrópoles, a busca de uma solução para a Favela do Moinho vem sendo disputada politicamente pelas gestões Lula e Tarcísio, com olhos na eleição de 2026.