Se por artes do demônio (de Deus é que não seria porque ele é bom) a anistia aos golpistas for aprovada no Congresso e Bolsonaro reabilitado para concorrer à presidência da República em 2026, o que Lula deveria fazer? Examine as alternativas.
Vetar a anistia e correr o risco de o veto ser derrubado pelo Congresso em seguida? Esperar a provável derrubada da anistia pelo Supremo Tribunal Federal? Ou simplesmente engolir a anistia e preparar-se para enfrentar Bolsonaro outra vez?
Como não sou Lula nem presido o Brasil, eu sancionaria a decisão do Congresso, também chamado de “A Casa do Povo”, em respeito à sua vontade. E celebraria a chance de ver a direita partida e de ter Bolsonaro outra vez como adversário. Delírio?
Porque a direita se partiria, lançando outros candidatos, ao invés de se unir em torno de Bolsonaro. É mais fácil ela se unir se o candidato for Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo. Uma franja expressiva da direita rejeita Bolsonaro. Ele é tóxico.
Em 2018, Lula escolheu Bolsonaro para derrotar. Não deu bola para os demais candidatos. Ganhou, embora por uma diferença ínfima de votos. Bolsonaro tinha a máquina do governo nas mãos, e o entusiasmo crescente dos seus devotos.
Em 2026, ele será um trapo com um índice de rejeição nas alturas depois de condenado pela Justiça por cinco crimes, entre eles o da tentativa de golpe e abolição violenta da democracia. Haverá um oponente mais fácil de ser batido, hein, Lula? Pense nisso.
E agradeça à direita, e principalmente a Tarcísio, sua estrela mais fulgurante no momento, pela oportunidade de tentar se reeleger pela segunda vez consecutiva. Se Tarcísio não tivesse despido a máscara de político moderado, a parada seria mais dura.
Mas, de novo, e agora por artes de Deus, tão bonzinho, Tarcísio jogou a máscara no lixo. Antes, ele parecia apenas lambuzado pelo bolsonarismo, leal a quem deve o emprego. Desde ontem, acima de quaisquer dúvidas, é a versão atualizada de Bolsonaro.
Com o direito de reverenciar a bandeira americana, de ofender a Justiça, de chamar o ministro Alexandre de Moraes de tirano, e de desprezar a inteligência alheia ao taxar de ditadura o regime político pelo qual se elegeu governador. Ditadura foi a de 64.
Pela primeira vez ao longo de sua história, o Brasil vive 40 anos ininterruptos de democracia. Ditadura com tortura, mortes, desaparecidos, presos políticos e censura à imprensa, nunca mais. Bolsonaro, a fruta podre, só foi possível por causa da democracia.
No ato público da Avenida Paulista, Tarcísio atravessou de uma vez por todas o Rubicão, como nós mais velhos gostamos de dizer. Em 49 a.C., Júlio César atravessou o pequeno rio no norte da Itália violando a lei romana e dando início a uma guerra civil.
A expressão “atravessar o Rubicão” aplica-se à passagem para um ponto sem retorno. Só haverá retorno para Tarcísio se sua manobra fracassar e ele se conformar em disputar a reeleição. Do contrário, irá às urnas na condição de pau mandado de Bolsonaro.
É risível e a essa altura ficou ridículo: Tarcísio insiste em negar a candidatura a presidente. Ao defender anistia para Bolsonaro, ele afirmou:
“Temos que viver num país onde as divergências sejam resolvidas na urna. Deixa Bolsonaro ir para a urna. Ele é nosso candidato e tenho certeza de que ele indo para a urna vai ganhar a eleição. Não vamos aceitar a ditadura de um poder sobre o outro”.
Divergências há, mas não por isso. Bolsonaro está sendo julgado por crimes previstos em lei. Numa democracia, cabe à Justiça interpretar as leis, não ao Congresso, não ao governo. Essa história de ditadura de um Poder togado é para enganar os malucos.
Ditadura de um Poder sobre os outros só existe em regimes autoritários. O da China, por exemplo, é, o de Cuba, o da Coreia do Norte, o da Hungria. Se o trumpismo durar muito tempo e a Justiça americana vacilar, a democracia morrerá logo onde nasceu.
Com Bolsonaro 1 ou Bolsonaro 2, o futuro da nossa democracia, infelizmente, mais uma vez estará em jogo daqui há exatos 393 dias.
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