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Criminosos Seriais (por Pedro Costa)

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Criminosos Seriais (por Pedro Costa)

Começam a ser condenados os chefes da grande quadrilha — perdão, orcrim, nome mais moderno que substitui o termo usado desde o século XIX derivado do quattuor latino talvez pela raridade de quadrilhas de só quatro bandidos. Bem, esse nome era realmente recente para designar coisa antiga. Nome por nome, havia bando, maffia, tríade, yakuza, cartel, bratva, comando, falange, cangaço, tudo reunião de bandidos — este derivado de bandire, banir, por bandito — ou de criminosus,a,um — quem fez um crime. Crime, por sua vez, vem de crimen,inis, o acusado. Vamos e venhamos, temos muita palavra para uma coisa muito frequente, que é a violação da lei. Depois de Beccaria, lei penal, pois separou-se um ramo do direito para explicitar o que é sujeito a punição pelo Estado, o que é agressão do indivíduo à sociedade.

Retomo: foram condenados os chefes da grande organização criminosa que se formou em 2018, por iniciativa do general Vilas Boas, que cooptou como chefe do bando o famigerado Bolsonaro, velho criminoso que conseguia escapar de todas as punições pela sua capacidade de se metamorfosear de vilão em vítima. A organização tinha por objetivo implantar no Brasil uma ditadura fascista. O primeiro não tinha condições de saúde para ocupar ele mesmo a chefia do bando, mas não deveria ter sido omitido no inquérito da Polícia Federal: sua participação fica clara em inúmeros atos, inclusive na presença de sua mulher na concentração do Forte Apache, porta voz e escudo contra a ação policial, mas, sobretudo, pela palavra do genocida ao agradecer sua eleição a ele e dizer que sua “conversa ficará entre nós”.

Com estas condenações, se enfraquece a quadrilha, mas engana-se quem crê que ela está extinta ou controlada. Um dado recente foi a necessidade de se fazer um novo inquérito para investigar a coação no curso do processo, coação feita inclusive com o uso de traição — ao pedir a colaboração de governo estrangeiro — e com a ocupação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Já é evidente, no inquérito aberto, que o líder continua sendo o mesmo, com papéis relevantes para o perigoso elemento Silas Malafaia, para Eduardo Bananinha, Arthur Lyra, Sóstenes Cavalcanti, Rogério Marinho e uma corja de delinquentes-parlamentares, além do experiente e ativo grupo de operadores de fake-news, objeto de um terceiro inquérito — o mais antigo — ainda inconcluso.

Do mesmo modo com que se faz no combate a organizações criminosas ordinárias que operam drogas etc., a orcrim que opera política tem que ter seus mecanismos podados: as fontes financiadoras, a comunicação e suas ligações com laranjas inseridos nas mais diversas posições da sociedade. Os presídios de segurança máxima foram feitos para essas eventualidades dos grandes e perigosos chefes e principais sequazes. É para onde, agora, indubitavelmente, devem ir os recém-condenados.

Durante o julgamento, os ministros juízes fizeram questão de ressalvar que não falavam das corporações em si, mas de elementos nelas inseridos, manifestando grande admiração pelas forças armadas etc. Infelizmente algumas falhas estruturais entregaram essas corporações a criminosos, de maneira que a exceção não é quem nelas é criminoso, mas quem nelas não é criminoso.

A opção dos militares brasileiros pelo crime é antiga. Luís Alves de Lima e Silva instituiu a prática da “pacificação”, em que são executados todos os adversários considerados perigosos e, depois, se concede anistia para os crimes cometidos pelos mais fortes. Deste tipo foi a última grande anistia brasileira, a da Lei 6.683/1979, excluía os condenados pelos instrumentos de exceção, mas procurava abrigar os torturadores et caterva — na realidade autores de crimes contra a humanidade, não anistiáveis e imprescritíveis. Devemos fugir das pacificações como o diabo da cruz.

O caso da política é similar. Desde o império até nossos dias a política teve a participação de um número elevado de bandidos. Corrupção e violência andaram a par e passo. Mas elas não são inevitáveis. A maior parte do tempo houve maioria ou minoria significativa que detestava os dois tipos de crime e procurou combatê-los. Afonso Arinos assinalou que o sistema eleitoral brasileiro levaria cada vez mais à eleição de parlamentares pelos interesses corporativos e/ou pessoais. Foi o que aconteceu, até que esses interesses dominaram o parlamento.

Dos interesses às organizações políticas estabelecidas com a finalidade de cometer crimes, portanto orcrim, foi um pequeno passo. Raros partidos hoje não pertencem (não uso aspas, é literal) a uma ou umas poucas pessoas. É o caso do PL, propriedade do senhor Valdemar da Costa Neto. É um negócio que começa com a entrega anual aos partidos de cerca de 5 bilhões de reais — um quinto para o PL — para administração e campanha eleitoral, naturalmente em condições muito vantajosas. A rotina tem sido de quintuplicar o valor da proposta orçamentária. Passa depois pelas emendas, nome dado à apropriação de recursos destinados a ações essenciais da União pelos bandidos-parlamentares, que terão o valor de 84 bilhões, a ser dividido entre os donos dos diversos partidos. Não é de admirar que se tenha tantos partidos. Não é preciso lembrar a venda de emendas-jabutis e/ou projetos de lei, que rendem valores difíceis de imaginar.

O mais urgente é investigar e punir os crimes cometidos pelos membros da organização ainda chefiada diretamente por Bolsonaro, que não estão só no PL. Comece-se com os que, nos primeiros dias de agosto, cometeram o crime de tentativa de abolição violenta do Estado de Direito (impedindo e restringindo o funcionamento dos Poderes Legislativo e Judiciário). Não se espere ação da Câmara e do Senado, não só porque eles nada farão, mas porque a iniciativa da ação é evidentemente do Procurador Geral da República e o processo deve correr no Supremo Tribunal Federal (art. 53 § 1º; art. 102 Ib).

Trata-se de organização criminosa para cometer crimes em série. Serial killers do Estado de Direito. Só se resolve com prisão em regime fechado.

 

Pedro Costa é escritor e arquiteto 

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