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Desglobalização ou reglobalização? (por Felipe Sampaio)

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Desglobalização ou reglobalização? (por Felipe Sampaio)

Era pra ser apenas um café de fim de tarde na Asa Sul, quando o Bosco Rabello me lançou uma daquelas conclusões de jornalista: “O Trump não está desglobalizando o mundo, ele está reglobalizando”. Vindo do Bosco, a gente tem que largar a xícara e refletir. O cara foi redator de política do Estadão por 20 anos e chefiou as assessorias de comunicação dos Ministros da Defesa e da Segurança Pública.

Com um olho na conversa e outro na tapioca com queijo Canastra, fiquei pensando que, em se tratando das ‘civilizações’, ninguém pode garantir que a coisa esteja melhorando, ou piorando. Com tantos vaivéns históricos prefiro pensar que já estivemos melhor, mas também já estivemos pior. Basta lembrar que vivíamos em cavernas, que queimávamos bruxas em fogueiras, que se usou mão de obra de escravizados, sem falar na gripe espanhola, Auschwitz e na bomba atômica.

Por outro lado, nas seis décadas pós II Guerra Mundial o padrão de vida humano deu uma melhorada. A ciência ajudou a resolver problemas de saúde e de alimentação e houve avanços incríveis nas comunicações e nos transportes. Bem ou mal, temos internet, cidades, celulares, eletrodomésticos, antibióticos, vacinas e… jujubas!

Voltando à ideia do Bosco, entre todos esses avanços o mais sofisticado foi a globalização econômica. O mundo tornou-se um só. Uma colcha de retalhos costurada por quatro barbantes principais: O comércio transoceânico; o sistema financeiro multinacional; as forças armadas ianques e o multilateralismo (ONU, OTAN, OCDE, OMC, FMI, Banco Mundial etc.). A globalização moldou a vida como conhecemos hoje. Apesar de não ter resolvido mazelas estruturais como a desigualdade social, trouxe prosperidade e paz para boa parte do planeta. No tempo da Guerra Fria servia para conter os adversários do Tio Sam e da Europa, como a Rússia, China, Cuba, Corea do Norte e outros menos célebres. Com o fim da União Soviética e a abertura do mercado chinês aquela costura global perdeu importância e o tecido geopolítico “anticomunista” começou a esgarçar.

Tudo que era sólido desmanchou no ar. Os órgãos multilaterais enfraqueceram, velhos aliados andam desconfiados, cadeias globais como o petróleo, energia, alimentos e minérios voltam a gerar mais tensão do que proximidade e a cavalaria ianque mete mais medo do que tranquiliza. Todo esse derretimento do teatro globalizado vem acompanhado de velhos fenômenos – como a guerra da Ucrânia e mais uma crise no Oriente Médio – mas, também, de muitas novidades pouco compreendidas, como a mudança climática, a IA, as big techs, o PIB chinês, o crime transnacional, o envelhecimento da humanidade… Enquanto a nova cena mundial não se estabelece, os mercados correm para raspar o tacho da globalização terminal. Wall Street e o Vale do Silício caem no canto da sereia de Trump e a Faria Lima aposta em Bolsonaro e Tarcísio, sem se tocarem de que o sonho anarcoliberal é o crepúsculo da Velha Ordem.

Bosco acertou na mosca. Trump, Putin, Xi Jim Ping e suas franquias ainda pensam reglobalizar um tabuleiro de negócios e de poder que lhes agrade. Os EUA se precipitam em ameaçar o mundo inteiro ao mesmo tempo, desdenhando das velhas amizades e cutucando com vara curta as onças de sempre. A Europa se reagrupa em torno de suas urgências. Rússia, China e Índia recrutam aliados eurasianos. Nessa nova era com jeitão do “1984” de George Orwell, o governo brasileiro tenta segurar a peteca do Sul Global, com invejável sangue de barata. Enquanto isso, o Bosco devorou duas tapiocas.

 

Felipe Sampaio: Cofundador do Centro Soberania e Clima; dirigiu o sistema de dados e estatísticas do Ministério da Justiça; ex-diretor do Instituto de Estudos de Defesa no Ministério da Defesa; foi secretário-executivo de Segurança Urbana do Recife; atuou em grandes empresas e 3º setor; foi empreendedor em mineração.

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