Há espetáculos que não são apenas espetáculos. São rituais, encontros, revelações. Assim é O Princípio do Mundo, espetáculo que faz de Elisa Lucinda não apenas uma atriz em cena, mas uma espécie de griô contemporânea, guardiã de memórias que atravessam o tempo. O palco se transforma em território de sabedoria, onde cada palavra respira como se fosse ancestral, como se tivesse atravessado séculos para chegar até nós.
Elisa nos conduz por esse caminho com a força de quem acredita no poder da palavra como ouro, como semente que brota em terra fértil. Assistir à sua entrega é presenciar um milagre íntimo, desses que fazem a gente lembrar de onde viemos e para onde podemos ir. O espetáculo é um convite para ouvir o que o mundo anda calando: que há um princípio feminino, negro e ancestral que sustenta a vida, e que sem ele estamos órfãos.
O Princípio do Mundo
Ao seu lado, Gabriel Demarchi, com apenas 14 anos, estreia nos palcos com a leveza de quem inaugura não só uma carreira, mas uma promessa. Há algo de singelo em vê-lo tocar o kamale ngoni, como se suas mãos ainda adolescentes guardassem a música de muitas gerações. É bonito perceber que, nesse diálogo entre o frescor da juventude e a maturidade de uma mestra, a cena encontra equilíbrio e ternura.
“O Princípio do Mundo” não é espetáculo para ser apenas assistido, mas para ser vivido. Ele pede escuta, pede entrega, pede que o público se deixe atravessar pela poesia que vibra em cada gesto, em cada silêncio, em cada verso. Quem for ao Teatro Correios Léa Garcia encontrará não apenas teatro, mas uma travessia, um chamado para repensar o que nos sustenta.
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E talvez seja esse o maior mérito da montagem: fazer com que, ao sairmos da sala, nos sintamos mais enraizados no passado e, ao mesmo tempo, mais abertos para o futuro. Porque a arte, quando é verdadeira, nos lembra que o princípio do mundo é, acima de tudo, o princípio de nós mesmos.
Se eu fosse você, não perderia esta preciosidade. Em cartaz até 27 de setembro.