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    Faria Lima: fundos escondem bens de barões dos combustíveis e político

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    Investigados por fraude, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro, barões dos combustíveis recorreram a “fundos caixa-preta” da Faria Lima para esconder um patrimônio milionário das autoridades, segundo apontam recentes operações deflagradas pela Polícia Federal (PF), pelo Ministério Públio de São Paulo (MPSP), e pela Polícia Civil paulista.

    O mecanismo ofertado pelo mercado financeiro foi utilizado pelos empresários Mohamad Mourad e Roberto Augusto Leme, o Beto Louco, donos da formuladora Copape e da distribuidora Aster, e por Ricardo Magro, dono da Refit. Os dois grupos são arquirrivais no setor de combustíveis e estão na mira da polícia — Mourad e Beto Louco são considerados foragidos.

    Segundo as investigações, uma rede de postos de gasolina avaliada em R$ 200 milhões, imóveis de luxo de até R$ 9,7 milhões e refinarias de petróleo são ativos ocultados pelos empresários em fundos de investimento sem nenhuma transparência. O mesmo expediente teria sido utilizado pelo presidente nacional do União Brasil, Antonio Rueda, para ocultar aviões que ele utiliza (leia mais abaixo).

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    Como mostrou o Metrópoles nessa semana, na série de reportagens sobre os “fundos caixa-preta” da Faria Lima, a estrutura de um fundo de investimentos dentro de outro tem sido usada com frequência por empresários para blindar seus patrimônios de dívidas e, agora, está na mira da PF por abrigar dinheiro atribuído ao crime organizado, incluindo a facção Primeiro Comando da Capital (PCC).

    Um levantamento do Metrópoles rastreou 177 fundos, com patrimônio acumulado de R$ 55 bilhões, que não possuem auditoria ou que foram considerados inauditáveis por falta de documentos. Desses fundos, 68 têm como seus únicos acionistas outros fundos, uma estrutura de camadas que dificulta identificar quem é o dono dos recursos ou dos bens.

    Braço do grupo Copape e Aster

    Segundo as investigações, Mourad e Beto Louco transformaram a gestora de investimentos Altinvest e um verdadeiro braço da lavagem de dinheiro de seu grupo empresarial. De acordo com a PF, a gestora estruturou empresas investidas e fundos que aportam nelas para comprar empresas e imóveis para os donos da Copape e Aster.

    Um exemplo é o fundo Zurich, aberto em 2023. Ele participa de três empresas criadas no ano passado e, segundo a PF, comprou um imóvel de R$ 2,5 milhões de uma empresa de Mourad. No mesmo dia, vendeu para uma empresa de Gabriel Cepeda, dono da rede de postos de gasolina Boxter e investigado por suposta ligação com o PCC.

    Outro fundo, chamado Mabruk II, fez operações imobiliárias para Mourad, segundo informações do MPSP. A Altinvest também é suspeita de ter sido usada para adquirir usinas sucroalcooleiras para abastecer a rede da Copape e Aster.

    Entre as investigadas na Operação Carbono Oculto, do MPSP, também aparece a Trustee, administradora e gestora que opera ao menos 35 “fundos caixa-preta”, segundo levantamento feito pelo Metrópoles — seja pela ausência de auditoria ou pela abstenção de auditores por falta de documentos. Somados, esses fundos gerem R$ 14 bilhões em patrimônio líquido.

    Fora dessa lista, existem ainda outros fundos imobiliários da Trustee que teriam sido utilizados para lavagem de dinheiro de Mourad, segundo as investigações. O fundo Enseada, por exemplo, comprou R$ 7 milhões em imóveis de uma empresa do dono da Copape. Também enviou R$ 2,9 milhões ao BK Bank, fintech suspeita de ser usada para lavagem de dinheiro do grupo.

    Em outra operação semelhante, também com imóveis, o fundo Black Bridge, aberto em 2023, comprou R$ 9,7 milhões da mesma holding de Mourad e também fez repasses de R$ 4 milhões ao BK Bank. Ambos os fundos estão sob suspeita de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio.

    Ainda na Operação Carbono Oculto, do MPSP, um fundo chamado Radford, que estava sob gestão do Banco Genial, teria sido utilizado para lavar dinheiro por meio da Usina Itajobi, ligada ao grupo de Mourad e Beto Louco. No caso da Genial, a empresa forneceu as informações que o MPSP pediu sobre o cotista do fundo e, em razão da colaboração, não é tratada como investigada.

    Os fundos de Ricardo Magro

    No mercado de combustíveis, Mourad e Beto Louco travam uma disputa agressiva com o empresário Ricardo Magro, também investigado por sonegação fiscal e dono da Refit (antiga Manguinhos), uma das maiores refinarias do país.

    Em outubro de 2024, uma operação da Polícia Civil de São Paulo apontou um esquema de sonegação de ICMS e lavagem de dinheiro envolvendo Magro e esbarrou no mecanismo de “fundo caixa-preta” da Faria Lima.

    Uma das empresas alvos da operação era a TLiq Distribuidora que, segundo a apuração, abastecia caminhões com combustível vendido pela Fera Lubrificantes, ligada à Magro, o que para os investigadores seria uma manobra para ocultar operações.

    Na busca de relações entre a companhia e Magro, investigadores acharam uma outra pessoa jurídica chamada TLiQ Participações, cujo único dono é o fundo de investimento EUV SP2, custodiado pela gestora FIDD.

    No mesmo custodiante, há um fundo EUV SP1, que tem como uma das cedentes a empresa Fera Lubrificantes, do grupo de Magro, segundo a investigação. A apuração policial indica que o uso de fundos seria um jeito de manter o grupo de Magro livre de bloqueios judiciais, uma vez que se trata de um dos maiores devedores do país.

    A reportagem ainda encontrou, sob gestão da FIDD, um outro fundo que mantém conexões com o grupo empresarial de Magro. Trata-se do Mykonos, que tem patrimônio líquido de R$ 256 milhões, e apenas uma empresa cotista, cuja identidade está sob sigilo. O Mykonos tem uma característica diferente dos “fundos caixas pretas”: foi devidamente auditado.

    A empresa tem como seu único diretor Tiago Gotierre de Assis, que foi contador do grupo Refit até 2020. É sócia de 40 postos de gasolina e sua sede fica em um deles, no bairro de Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. O posto é tido como parte da rede Fit, de gasolina aditivada do grupo de Margo, e contém a marca Gulf Oil, rede americana que, segundo a própria Refit, “é de responsabilidade do Grupo Fit no país”.

    Rueda e os aviões

    Na última semana, o Metrópoles revelou que a Polícia Federal investiga se o presidente do União Brasil, Antonio Rueda, também usa “fundos caixa-preta” para esconder uma frota de aviões que também seria utilizada por Mohamad Mourad e Beto Louco, alvos das operações Tank, Quasar e Carbono Oculto, no fim de agosto.

    Os jatinhos que teriam como verdadeiro dono o cacique do Centrão valem pelo menos R$ 60,4 milhões, segundo documentos da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Uma dessas aeronaves, um Cessna 560 XL, tem valor de R$ 12,5 milhões. Ela está em nome de uma empresa que era usada pelo trio, mas, formalmente, está em nome de advogados suspeitos de compra de sentenças judiciais.

    O fundo usado nessa operação se chama Viena, que está sob gestão do Banco Genial e aportou R$ 46 milhões em um outro fundo chamado Bariloche. Este, por sua vez, investe na empresa Bariloche Participações S.A., que tem capital de R$ 110 milhões e seus diretores são Haroldo Augusto Filho e Valdoir Slapak.

    Ambos são investigados pela PF pelo esquema de corrupção no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMG) que também deu ensejo a um outro inquérito sobre a conduta de juízes auxiliares de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

    A Bariloche está dentro de uma estrutura de fundo caixa-preta. Segundo auditores independentes, não foi possível avaliar seus números porque não foram entregues documentos que permitissem escrutínio de seus ativos. Por lei, o que fica em sigilo é a identidade do investidor que pôs dinheiro nesses fundos. Ou seja, o verdadeiro dono do capital da Bariloche e, por consequência, do avião que seria usado pelo presidente do União Brasil.

    O que dizem os citados

    Por meio de nota, Antonio Rueda negou categoricamente ser o dono das aeronaves ou ter qualquer relação com os fatos investigados nas operações Carbono Oculto, do MPSP, e Tank, da PF. Segundo ele, seu nome “foi suscitado em um contexto absolutamente infundado”.

    O Banco Genial afirmou que a citação a seu nome se limitou à condição de administradora do Fundo Radford, que entrou em apuração devido ao seu único cotista, a Usina Itajobi. O banco afirmou ter herdado a administração do fundo em 2024, após sua criação por terceiros, e que sempre cumpriu integralmente os procedimentos de compliance, rastreando a estrutura societária até o beneficiário final. Após a Operação Carbono Oculto, anunciou a renúncia imediata à gestão do fundo.

    A Trustee afirma que “renunciou, antes da operação Carbono Oculto, a quatro fundos multimercados (Albuquerque, Olímpia, Vintage e Ártico) que são cotistas exclusivos dos fundos de investimento citados na operação”. “Os fundos já haviam chamado a atenção da área de compliance da Trustee e estavam em averiguação interna”. “A decisão de renunciar aos quatro fundos multimercados foi estratégica, uma vez que automaticamente paralisava qualquer movimentação nos respectivos fundos que detinham cotas”.

    “A Trustee esclarece que dos 35 fundos apresentados pelo Metrópoles, 5 não apresentam nenhuma abstenção e têm relatórios auditados. Dentre os fundos com abstenção, dois deles estão em processo de liquidação. Os demais 28 fundos, que representam apenas 5% do volume total administrado pela Trustee, já estão com a documentação atualizada e terão a auditoria finalizada em até 20 dias”, afirma.

    Segundo a Trustee, “três fundos as empresas investidas não apresentaram demonstrações financeiras, inviabilizando o trabalho de auditoria do próprio fundo”. “Um deles, Pegasus, que foi alvo da operação Carbono Oculto, já teve sua administração e outros serviços renunciados pela Trustee”.

    “A Trustee reitera que possui processos rigorosos de diligência e constante monitoramento no desempenho de suas funções. Ressaltamos que as abstenções de tais fundos se deram por morosidade no encaminhamento das informações das investidas e que, como consequência, a Trustee reavalia a manutenção da prestação de serviços para tais clientes entre outras medidas”, afirma.

    A FIDD afirmou, em nota, que não recebeu qualquer notificação referente a investigações envolvendo fundos sob sua administração fiduciária e que, caso haja solicitação formal de autoridade, cooperará integralmente.

    A gestora também disse que todos os fundos sob sua administração passam por revisões independentes anuais e seguem as normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), do Banco Central e da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

    A empresa afirma que “eventuais modificações de opinião em demonstrações financeiras (abstenções/ressalvas) podem decorrer de questões técnicas pontuais e não caracterizam irregularidade operacional”. Segundo a nota, nesses casos são adotadas medidas corretivas.

    Procurado, Ricardo Magro não se manifestou. O espaço segue aberto. Mohamad e Beto Louco estão foragidos e não foram localizados.