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    Fux mata no peito a culpa dos golpistas e vira herói da extrema-direita

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    Deixa ver se entendi. O ministro Luiz Fux condena um ajudante de ordem (o tenente-coronel Mauro Cid) por crime (tentativa violenta de abolição do Estado Democrático de Direito) que o ajudado por ele (Bolsonaro) não cometeu. E condena também pelo mesmo crime o vice da chapa derrotada na eleição de 2022 (general Braga Netto) , isentando o cabeça da chapa (Bolsonaro).

    Dito de outra forma: criminoso se perdoa, delator se castiga. Vice de chapa se condena, cabeça de chapa se absolve. É como se Mauro Cid, à falta do que fazer, decidisse abolir a democracia no Brasil à revelia de um Bolsonaro distraído.  É como se Bolsonaro não tivesse conhecimento das atividades golpistas de Mauro Cid e de Braga Netto, seu companheiro de chapa.

    Juristas experientes que pensavam já ter visto tudo nunca viram nada sequer parecido. Jamais esquecerão. O de Fux foi um voto de mais de 420 páginas, cuja leitura durou 12 horas, mas que não se sustenta à luz de coisa alguma e irá para os anais do Supremo Tribunal Federal como o triste fim de um ministro à beira da aposentadoria. O “Voto Mickey.” Ou o “Voto Trump”.

    À falta de um único fio de cabelo, não se poderá dizer que o ministro Alexandre de Moraes, relator do processo sobre as tentativas de golpe de dezembro de 2022 e 8 de janeiro de 2023, a tudo assistiu arrepiado; perplexo, certamente. Mas teve uma hora em que o ministro Flávio Dino perdeu o fio da meada e preferiu interromper Fux. Travou-se então o seguinte diálogo:

    DINO – Sobre Mauro Cid, o senhor já votou?

    FUX – Sim.

    DINO – Absolvendo ou condenando?

    FUX – Condenando.

    DINO – Um, dois ou três crimes?

    FUX – (Sorriso)

    DINO – Condenando Mauro Cid e absolvendo os outros? Só pra eu entender.

    FUX – Ainda não acabei.

    Ao acabar, além de Bolsonaro, Fux inocentou de todos os crimes mais cinco réus: o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, o ex-ministro do Gabinete da Segurança Institucional da Presidência, Augusto Heleno, os ex-ministros da Defesa (Paulo Sérgio Nogueira) e da Justiça (Anderson Torres), e Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência.

    Onde na terça-feira, para condenar os réus do chamado “núcleo crucial” do golpe, Moraes e Dino encontraram “fartas provas” de cinco crimes, Fux, ontem, não encontrou praticamente nenhuma. Qual foi a mágica feita por Fux? Moraes e Dino leram o processo como se vissem um filme; Fux, como se o processo fosse um álbum de fotografias. O que Moraes e Dino juntaram, Fux separou.

    Ao que Fux fez dá-se o nome de isolamento de condutas. Ele desmontou a história com começo, meio e fim contada por Moraes e Dino.  Os dois conectaram os fatos e montaram o quebra-cabeça da tentativa de golpe seguindo um itinerário lógico. Fux chutou o quebra-cabeça embaralhando as peças encaixadas. Elas voltarão ao seu lugar com o voto da ministra Cármen Lúcia.

    Não se cobre coerência a Fux. Quando presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ele defendia o sistema eletrônico de votação. Ontem, disse não ter visto nada demais nos ataques de Bolsonaro às urnas. Em mais de 1.600 casos, Fux confirmou a competência do Supremo para julgar os réus do 8 de janeiro. Ontem, disse que o Supremo não é o fórum competente para essa tarefa.

    Quatro anos atrás, Fux reagiu às declarações de Bolsonaro contra o Supremo. Em discurso no dia seguinte às manifestações bolsonaristas do 7 de setembro de 2021, Fux afirmou que a ameaça de Bolsonaro de descumprir decisões de Moraes configurava “crime de responsabilidade”. Ontem, limitou-se a taxá-las de “rudes”, no máximo, “inapropriadas”, mas não criminosas.

    O criminalista Aury Lopes Jr. foi preciso em seu comentário sobre o comportamento do ministro:

    “Hoje, Fux apresentou mais divergências pro-réu do que a soma de decisões de uma vida inteira”.

    A vida é uma sucessão de portas que se abrem ou se fecham à nossa passagem. Sossegue, Fux: as da Disney jamais se fecharão para você.

     

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