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    Julgamento de Bolsonaro: quando acabar, o STF pulará o muro de volta?

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    De tudo o que foi publicado até agora sobre a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro, a notícia mais ridícula foi a de que ele poderia pular o muro para a casa do vizinho.

    O ex-presidente da República não vai pular muro nenhum até ser condenado e preso, obviamente, mas o STF, que o condenará e o prenderá, já pulou muro bem mais alto: o que deveria separá-lo dos outros Poderes.

    Nestes dias pré-julgamento de Jair Bolsonaro, os jornais especularam sobre dois aspectos: onde ele vai ficar preso e qual será o tamanho da cana que vai pegar.

    Jair Bolsonaro será encarcerado na Papuda, em uma sala da Superintendência da Polícia Federal no Distrito Federal ou em um quartel do Exército? Será que os seus advogados conseguirão que o ex-presidente da República permaneça em prisão domiciliar por causa dos problemas de saúde?

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    Do ponto de vista isonômico, ele deveria ter o mesmo tratamento do seu antecessor no Palácio do Planalto e ser trancafiado em uma sala da PF. Mas, como Jair Bolsonaro inspira os sentimentos mais primitivos nos seus algozes supremos, talvez ele passe uma temporada na Papuda, antes de lhe darem um destino prisional mais compatível com o cargo que ocupou.

    Quanto à pena, que pode chegar a 43 anos, há a discussão se tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, dois dos crimes dos quais Jair Bolsonaro é acusado, não são a mesma coisa. Se os ministros do STF chegarem à conclusão de que um absorve o outro, a pena do ex-presidente pode diminuir um tantinho.

    Essas questões vêm monopolizando a atenção dos jornalistas encarregados de cobrir o “julgamento histórico”, aquele que vai dar exemplo aos demais golpistas, curar a nação das suas feridas, endereçá-la a um futuro de paz e harmonia.

    Você já ouviu discurso semelhante em 2018, quando Lula foi julgado e condenado: nunca mais corrupção sistêmica, nunca mais tentativas espúrias de permanência no poder, nunca mais corrosão da democracia.

    Também ouviu no impeachment de Fernando Collor, no julgamento do mensalão e no impeachment de Dilma Rousseff: são tantos os “julgamentos históricos”, que a coisa fica até aborrecida para quem ainda se lembra deles.

    Eu ia dizendo que o STF pulou o muro que o separa do Legislativo e do Executivo, mas ele também invadiu a esfera do Ministério Público e o das instâncias inferiores do próprio Judiciário.

    Por esse motivo, a minha preocupação de macaco velho não é com o destino de Jair Bolsonaro, que já está dado. Estou apreensivo mesmo é com o que vem depois.

    O STF vai renunciar ao imenso poder político-policial que conquistou nos últimos anos, desde que o primeiro inquérito sigiloso foi aberto de ofício, em 2019, a pretexto de defender a instituição e, por extensão, a democracia?

    A prisão de Jair Bolsonaro e dos seus asseclas será suficiente para que os ministros pulem o muro de volta ao espaço que lhes conferido pela Constituição que juraram defender?

    Hoje, temos um Supremo que se compraz, inclusive, em ser um “Poder Moderador”, como apontou o presidente do PT, Edinho Silva, em tom elogioso, apesar de não existir tal poder no sistema político brasileiro.

    Abro parêntese. O Poder Moderador saiu da cachola de um apóstolo do liberalismo político, o franco-suíço Benjamin Constant, mas para definir o que seria o papel do rei na monarquia constitucional, como árbitro de extrapolações dos outros três poderes — e que, no Brasil imperial, serviu para interferências abusivas.

    É que as ideias costumam atravessar o Equador, rumo ao sul, em ondas tropicais, invariavelmente.

    Para ficar ainda em Benjamin Constant, ele disse que não é incomum que os depositários do poder tenham uma disposição para considerar facção tudo o que é exterior a eles próprios. Às vezes, até a nação. Fecho parêntese.

    Como sou pessimista contumaz, temo que, após o julgamento de Jair Bolsonaro, os ministros do STF não pulem o muro de volta. Creio que, para eles, sempre haverá um inimigo da democracia brasileira a ser combatido no campo da exceção. Não se renuncia espontaneamente a tanto poder conquistado.