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    Justiça manda abrir teia de fundos da Faria Lima e apavora empresários

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    Dona de um grupo empresarial goiano que chegou a ser um grande player do ramo de serviços terceirizados até entrar em falência, a família do empresário Lélio Carneiro tem travado batalhas judiciais para tentar blindar seu patrimônio de credores. Nos últimos meses, juízes em diferentes processos mandaram abrir uma teia de fundos de investimento da Faria Lima, suspeita de ser usada pelo clã.

    Em um dos casos, a Justiça já reconheceu que os Carneiro têm usado este mecanismo do mercado financeiro para ocultar seus bens. Em outro processo, o Judiciário tem enfrentado a resistência da administradora do fundo em informar quem é seu beneficiário final.

    Como mostrou o Metrópoles nesta semana, na série de reportagens sobre os “fundos caixa-preta” da Faria Lima, a estrutura de um fundo de investimentos dentro de outro tem sido usada com frequência por empresários para blindar seus patrimônios de dívidas e, agora, está na mira da Polícia Federal (PF) por abrigar dinheiro atribuído ao crime organizado.

    Um levantamento do Metrópoles rastreou 177 fundos, com patrimônio acumulado de R$ 55 bilhões, que não possuem auditoria ou que foram considerados inauditáveis por falta de documentos. Desses fundos, 68 têm como seus únicos acionistas outros fundos, uma estrutura de camadas que dificulta identificar quem é o dono dos recursos.

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    A caixa-preta do Grupo Coral

    No caso do Grupo Coral, da família Carneiro, a União mapeou uma fileira de fundos de investimentos em busca de R$ 250 milhões em impostos que deveriam ter sido recolhidos pelos empresários. Bancos e representantes de investidores também procuram recursos desses fundos, sob a alegação de que eles foram criados para esconder dinheiro de Lélio e de seus familiares.

    À Justiça, a gestora de fundos Reag Investimentos, que é investigada pela Polícia Federal, pela Receita Federal e pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) por suspeita de lavagem de dinheiro para o crime organizado no setor de combustíveis, tem resistido para abrir quem são o investidor e o beneficiário final — a Reag foi um dos principais alvos das operações deflagradas no fim de agosto.

    Dono de diversas empresas de serviços de limpeza, vigilância e outros de mão de obra terceirizada, o Grupo Coral teve falência decretada pela Justiça de Goiás em 2015. Ele ganhou destaque no noticiário quando um de seus braços, uma administradora de presídios federais, abandonou a gestão do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, onde uma guerra entre facções terminou com um massacre de 56 presos, em 2017.

    Em agosto deste ano, o empresário Lélio Carneiro Junior, filho do fundador da companhia, fez parte de um grupo de investidores que propôs ao clube Vila Nova-GO, da Série B do Campeonato Brasileiro, R$ 500 milhões para transformá-lo em uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF). O negócio seria feito em parceria com a Reag.

    Dois meses antes da proposta ao Vila Nova, a pedido de um credor, a Justiça tentou bloquear R$ 1,4 milhão do patriarca da família, Lelio Carneiro, mas encontrou as contas dele zeradas. Em um processo que corre em segredo de Justiça, foi encontrada uma fortuna ligada à família em uma teia de fundos de investimentos e empresas, uns ligados aos outros. Tudo foi bloqueado pela Justiça para quitar uma dívida de R$ 250 milhões com a União. O mapeamento dessa cadeia de fundos foi feito pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

    A teia de fundos é tão complexa que a Procuradoria fez diversos infográficos para explicar à Justiça o caminho do dinheiro. Em resumo, os recursos saem de uma das empresas dos Carneiro, passa por outras quatro companhias antes de chegar a dois fundos que investem em um mesmo fundo da Reag, que, por sua vez, compra títulos de dívida de uma empresa chamada Firenze, cuja sociedade informal é atribuída à família.

    “A organização societária, como exibida, confirma que ambas as emissões de debêntures beneficiam empresas e fundos de investimentos que, ao final, pertencem a Lélio e Frederico, que se utilizaram das camadas de pessoas jurídicas e patrimônios afetados como tentativa de ocultar a própria participação na emissão de debêntures de Firenze e, por conseguinte, a própria aquisição do grupo via emissão de títulos de dívida”, afirma a Procuradoria.

    Além da empreitada futebolística, a Reag gere esses fundos acusados de blindar o patrimônio dos Carneiro. Intimada a abrir quem são os cotistas de um deles em um processo de outro credor, a gestora se recusou a dar a informação completa e se restringiu a informar que Lelio Carneiro não é seu investidor. Levou uma dura do juiz do caso, que afirmou que as administradoras são obrigadas a abrir essa informação para satisfazer execuções judiciais.

    Após a Justiça mandar a Reag abrir quem são os cotistas do fundo, o Reag 78, quem apelou para que a informação continuasse sem publicidade foi o próprio Lélio Carneiro, patriarca da família. Segundo seus advogados, a abertura dos cotistas do fundo determinada pela Justiça configura um “típico caso de devassa incompatível com o regime legal e com os parâmetros constitucionais”. Na última semana, um desembargador de Goiás negou o pedido.

    No último mês, a Reag foi alvo de busca e apreensão na megaoperação que mirou o setor de combustíveis, por suspeita de gerir fundos usados na lavagem de dinheiro bilionária ligada ao Primeiro Comando da Capital (PCC).

    Na longa teia de investigados aparecem como principais beneficiários de alguns dos fundos Mohamad Mourad, conhecido como “Primo”, e Roberto Augusto Leme, o “Beto Louco”, sócios ocultos da formuladora Copape e da distribuidora Aster, suspeitas de sonegarem R$ 7,6 bilhões.

    Procurada pelo Metrópoles, a família de Lélio Carneiro não quis se manifestar sobre o caso. O espaço segue aberto.

    Após ser alvo da Operação Carbono Oculto, a Reag emitiu nota afirmando que “não há qualquer participação da empresa ou de seus executivos em operações de ocultação de patrimônio ou de lavagem de dinheiro” e que “nunca manteve, mantém ou manterá qualquer relação com grupos criminosos, incluindo o PCC, nem com quaisquer atividades ilícitas”.

    A Reag também afirma que “atua em linha com as normas vigentes no mercado financeiro e de capitais” e que há diversos fundos de investimentos mencionados na operação que nunca estivaram sob sua administração ou gestão.

    “Em relação aos fundos de investimento que a empresa manteve prestação de serviço, sua atuação sempre foi diligente e proba, e os fundos foram, há meses, objeto de renúncia ou liquidação. Sua trajetória demonstra práticas sólidas de governança e transparência, com base em ética e rigor técnico”, diz trecho da nota.

    “A Reag seguirá atuando com ética, diligência e transparência, sem qualquer tolerância a desvios, sempre em colaboração com as autoridades e em defesa de um mercado financeiro saudável e de seus clientes e investidores”, conclui.