MAIS

    Laranja recebeu R$ 100 por foto que abasteceu esquema de fintechs

    Por

    Uma mulher, moradora do Parque Paulistano, na zona leste de São Paulo, recebeu R$ 100 para ir até a Feira da Madrugada do Brás, na região central da capital paulista, e tirar uma foto do rosto segurando o próprio RG. A imagem foi utilizada por um grupo criminoso, aliado à máfia chinesa, para abastecer um esquema milionário envolvendo fintechs.

    De acordo com um documento sigiloso da Polícia Federal (PF), obtido pelo Metrópoles, a mulher foi recrutada por uma vizinha para ir até o Brás fazer a foto e receber o dinheiro. Ela se dirigiu até um galpão, onde foi recebida por um homem de origem chinesa. No local, outras pessoas esperavam para também tirar uma fotografia.

    Leia também

    Em depoimento à PF, na condição de investigada, a mulher afirmou que não recordava o nome da vizinha que fez a proposta e tampouco sabia identificar o homem chinês. Ela contou ainda que o imigrante portava um “pacotão” de dinheiro.

    A investigada confessou aos investigadores que suspeitou se tratar de algo ilícito, mas ignorou porque ouviu do homem que a foto seria usada fora do Brasil. Ele teria dito a ela que a foto “não daria em nada”.

    Contas em fintechs em nome de laranjas

    Com os dados pessoais da mulher em mãos, o grupo criminoso abriu uma conta na fintech Stone no nome dela, que recebeu R$ 254.867,73. A mulher, apontada como “laranja” do esquema, nunca teve acesso à conta, mas somente aos R$ 100 recebidos inicialmente.

    Em outro caso, um laranja, também morador da zona leste, viu um anúncio no Facebook que oferecia R$ 100 para quem fosse até o Brás fazer a foto. Quando chegou ao local, foi abordado por um homem chinês e viu de oito a 10 pessoas esperando para tirar a fotografia.

    Ele também afirmou à PF saber se tratar de algo ilícito, mas disse desconhecer a conta aberta em seu nome — que, mais tarde, recebeu o montante de R$ 145.566,54.

    Um terceiro depoimento mostra que uma mulher recebeu a oferta de R$ 150 para fazer a mesma foto, também no Brás. O episódio aconteceu em outubro de 2022, e ela acreditou que teria relação com as eleições daquele ano. No nome dela foi aberta uma conta na Stone que recebeu R$ 143.365,58.

    Criminosos movimentavam milhões

    • Segundo as investigações, o grupo criminoso – composto por brasileiros e chineses – movimentou milhões de reais através de um complexo esquema de lavagem de dinheiro, principalmente entre 2020 e 2023.
    • Eles utilizavam as contas abertas no nome dos laranjas para aplicar fraudes eletrônicas, como falsas promessas de emprego.
    • As vítimas eram incentivadas, geralmente por meio virtual, a fazer transferências Pix para as contas Stone, com a premissa de que ganhariam um trabalho remunerado após o pagamento.
    • Somente entre abril e junho de 2022, a organização criminosa recebeu R$ 4 milhões dessa forma.
    • O dinheiro era lavado por meio de empresas de fachada, que recebiam transferências das contas dos laranjas.
    • Além disso, o grupo mantinha fábricas e depósitos de produtos falsificados, como perfumes e cosméticos, na região do Brás.
    • Eles também utilizavam a empresa Uzi Comércio de Armas e Clube de Tiro para lavar dinheiro e adquirir armas de fogo e munições de forma ilegal, como o Metrópoles mostrou no início deste ano no especial Tentáculos da Máfia Chinesa.
    • Na época, a reportagem apontou que golpes envolvendo o Pix e o uso de laranjas na região do Brás ligavam um arsenal de armas à máfia chinesa.

    Movimentações financeiras chamaram atenção

    As movimentações financeiras em 11 contas específicas, de pessoas físicas, foram percebidas pela Stone, que acionou o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo (MPSP).

    Ao mesmo tempo, diversas vítimas das fraudes eletrônicas registraram boletins de ocorrência por estelionato, o que chamou a atenção das autoridades.

    Policial civil é preso em esquema de fraudes eletrônicas

    O modus operandi do grupo é o mesmo do esquema envolvendo o policial civil Cyllas Salerno Elia Júnior, preso temporariamente nesse domingo (14/9) pela Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo.

    Fundador e CEO da fintech 2GO Bank, o policial é suspeito de atuar em um esquema de golpes financeiros contra moradores do Jardim Pantanal, bairro na zona leste da capital que sofreu com fortes enchentes no início do ano.

    Os laranjas citados nesta reportagem moram em bairros do entorno do Jardim Pantanal, e também foram recrutados em um momento de vulnerabilidade financeira, com a promessa de dinheiro fácil.