Nossos jornais estão cheios de notícias e fatos que jamais se pensou que seriam publicados. Leio-os e recordo, uma vez mais, o que penso sobre a liberdade de imprensa, como ela foi criada, a que veio e o que ela representa no processo democrático.
No dia em que deixei a Presidência da República, ao me despedir do Comitê de Imprensa do Palácio do Planalto, os jornalistas vieram me cumprimentar dizendo que, durante o meu governo, tinham desfrutado da mais absoluta liberdade de imprensa que o País já tivera. O correspondente do jornal O Estado de São Paulo, sentado em sua cadeira, disse-me: “Presidente Sarney, digo ao senhor, com absoluta tranquilidade, que passei esses cinco anos gozando de total liberdade e que, durante sua presidência, nem censura pessoal, interna, eu sofri. O senhor fará muita falta ao Brasil.”
Devo fazer um pequeno relato histórico. A liberdade de imprensa ficou cristalizada depois que os Estados Unidos foram estabelecidos, sob a égide da Constituição de 1787, na Convenção de Filadélfia. Alguns Estados americanos se recusaram a ratificar a Carta Constitucional, argumentando que o documento era curto e sucinto, focado apenas nas ideias fundamentais e, portanto, não protegia alguns direitos, como as liberdades individuais, incluindo a de imprensa.
Thomas Jefferson, durante a elaboração da Constituição, atuava como embaixador em Paris e, portanto, não participara do trabalho, mas correspondia-se com frequência com James Madison, expondo as ideias dos filósofos do Iluminismo e defendendo a inclusão na legislação americana da garantia de direitos individuais fundamentais.
Dessa forma, James Madison, o “pai” da Constituição, convencido por Jefferson e adotando essas ideias, liderou o processo para acrescentar ao texto constitucional as dez primeiras emendas, o Bill of Rights, cuja Primeira Emenda garante, explicitamente, a liberdade de imprensa.
A Convenção de Filadélfia fora elaborada por cidadãos americanos que, marcados pela colonização e influenciados pelas instituições inglesas, se inspiraram no modelo do Parlamento Britânico: a Câmara dos Comuns, que representava o povo, e a Câmara dos Lordes.
Durante sua elaboração, sem encontrar um organismo que substituísse na América do Norte a Câmara dos Lordes britânica, depois de grande divergência, conta-se que os delegados decidiram rezar à noite pedindo a proteção de Deus, com absoluto sigilo e total segredo sobre o assunto.
Liderados por Madison, chegaram a um acordo histórico, conhecido como o Grande Compromisso (ou Compromisso de Connecticut), estabelecendo um sistema legislativo bicameral: a Câmara dos Representantes do povo, com representação proporcional à população de cada estado, e o Senado, onde cada estado teria representação igual, com dois senadores, assegurando os mesmos direitos a Estados pequenos e grandes.
Afonso Arinos, ao comentar esse episódio, brincava dizendo que o Senado fora uma inspiração de Deus, porque os membros que o tinham criado na Filadélfia o fizeram depois de uma noite intensa de rezas.
Todos aprovaram esta ideia considerada genial, e Jefferson, com a constituição já votada e pronta, perguntou a Madison: para que serve a instituição da representação dos estados? Madison, então, que estava tomando chá, derrama o líquido da xícara no pires e responde: “Justamente para isto: esfriar. Uma casa representará o povo e a outra, a federação.
Thomas Jefferson, figura notável de grande pensador, apesar de defender a tese de que a imprensa livre era garantia de liberdade, esse mesmo Jefferson fora acusado de contratar um jornalista, na verdade um chantagista, que se chamava James Callender, homem muito virulento — que Joseph Ellis disse ser um Scandal-Monger (tradução livre de espalhador de escândalos) —, para que caluniasse o presidente John Adams.
Mais tarde, esse mesmo caluniador, quando Jefferson se tornou presidente, tentou chantageá-lo pedindo o cargo de diretor dos correios em Richmond, no que não foi atendido. Daí, passou a denunciar Jefferson, tornando públicos sussurros, muitas vezes baseados em boatos e mentiras, entre eles o de que Jefferson tinha por amante a escrava Sally Hemings em sua propriedade, com quem teria muitos filhos. Hoje, sem nenhuma dúvida, graças às inúmeras pesquisas com DNA, em 1998, confirmou-se a linhagem de descendentes de Thomas Jefferson e de Eston Hemings, um dos filhos de Sally.
Controvérsias à parte, voltemos ao argumento utilizado para defender a criação da liberdade de imprensa: já que os congressistas tinham liberdade (a imunidade parlamentar) para falar no Parlamento sem serem responsabilizados, era preciso dar essa mesma liberdade de fala ao povo. Essa liberdade foi garantida com o direito à liberdade de imprensa, ou seja, o direito de o povo usar a imprensa, os jornais e todos os meios de comunicação para falar sem a possibilidade de serem responsabilizados, dentro dos limites da lei. Para essa tarefa, a imprensa, fundamentalmente, seria destinada a questionar e criticar o governo livremente.
Destaco que hoje consta de nossa Constituição essa garantia, com as restrições da lei, da liberdade de fala ao povo. Assim, a Liberdade da Imprensa constitui também um direito do povo, e sem ela não há Democracia.
José Sarney, ex-presidente