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Mãe relata racismo contra filha de 6 anos e omissão de escola em SP

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Mãe relata racismo contra filha de 6 anos e omissão de escola em SP

Uma menina negra de seis anos de idade, estudante da escola particular São José de Vila Matilde, na zona leste de São Paulo, relatou à mãe, a jornalista Lohe Duarte, ter ouvido comentários racistas de colegas de classe. A mulher levou o caso à direção do colégio e alega que a instituição vem negligenciando os fatos desde abril deste ano, quando as ofensas teriam começado.

“Seu cabelo é feio e está sempre para o alto”, teria dito uma criança à menina. “Você não pode ser nossa amiga porque a cor da nossa pele é diferente”, falou outra. Além das frases discriminatórias, algumas alunas são acusadas de deixar a garota negra de fora das brincadeiras.

Lohe contou à reportagem que soube da discriminação quando perguntou à filha como tinha sido o dia dela na escola, o que faz com frequência.

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“Então, toda noite, quando a gente vai dormir, eu converso com ela sobre o dia dela e tento relembrar qual que foi a coisa mais legal que aconteceu, o que que a deixou com raiva, o que que a deixou triste. E aí, em uma noite, ela relatou essa situação, assim, como se fosse um dia normal de aula”, disse.

Segundo Lohe, pela pouca idade, a filha não entendeu que estava sendo vítima de racismo. O comportamento da menina – que é bastante ativa e questionadora – foi sempre o mesmo em casa e em outros lugares que frequenta, como a igreja, círculo de amigos da família e escolas anteriores.

A garota, que desde o primeiro ano de idade já frequentava creche, passou a apresentar problemas de autoestima e crises de choro ao retornar desta escola. O fato foi comunicado ao colégio e consta em um relatório da instituição obtido pelo Metrópoles.

“A responsável mencionou que, naquele dia, a aluna apresentou choro e afirmou brincar sozinha, alegando sentir-se ‘feia’. A Sra. Lohe destacou que, apesar desses relatos, a aluna costuma ingressar bem para as aulas, mas expressou preocupação pontual com o episódio”, diz trecho do documento.

Em resposta ao ocorrido, uma professora recomendou à mãe que ela promova o “fortalecimento” da autoestima da filha, “a fim de que a criança se sinta segura, acolhida e reafirmada no ambiente escolar como parte de um grupo que a valoriza e a considera querida”.

“Quando isso aconteceu a primeira vez, que foi quando a menina falou do cabelo dela, a gente conversou, explicou sobre as diferenças e tudo. A gente leu alguns livros juntos sobre o assunto”, contou Lohe.

Além das ofensas, segundo a mãe, a filha é alvo de constantes broncas e castigos, especialmente em casos que, na visão dela, deveriam ser tratados com os responsáveis e não diretamente com as crianças – como alimentação ou uniforme. O colégio, contudo, nunca teria notificado Lohe sobre supostos problemas.

“Eu nunca recebi um recado que dissesse se minha filha teve algum comportamento difícil, mas sempre ela me trazia que ela tinha ficado de castigo ou ido para direção por algum motivo. Se ela tem um comportamento difícil, a escola tinha que me sinalizar para juntos trabalharmos, e não ficar castigando ou culpabilizando minha filha”, disse a jornalista.

Diferença no tratamento

Lohe também é mãe de outra garota, uma adolescente de 14 anos de idade, que é branca e estuda no mesmo colégio. Segundo ela, é clara a diferença no tratamento entre as duas estudantes.

“Ela já foi tomar chá na sala da coordenadora para se acalmar. Todas as vezes que ela teve episódio de crise de ansiedade, ela ficou na enfermaria e sempre foi muito bem atendida. Quando ela disse que não estava contente em um determinado lugar, foi feita essa observação e ela conseguiu trocar de lugar. Ela sempre foi muito bem atendida”, relatou.

O bom acolhimento com a filha mais velha fez com que Lohe matriculasse a caçula no mesmo colégio. “Parece que elas nem estudam no mesmo lugar. Eu tinha uma visão totalmente perfeita da escola”, contou. Ela aponta, contudo, que a situação enfrentada pela mais nova é bem diferente.

“Eu consegui me reunir com a diretora várias vezes quando se tratava de assuntos da mais velha, nunca tive problema em ser atendida. E no caso da mais nova, não. Ela me atendeu uma única vez. Às vezes, ela nem respondia, sempre pedia para eu aguardar, e aí eu aguardava dias para ela poder me responder. E para me receber [pessoalmente], nunca mais ela me atendeu”, explicou Lohe.

Segundo a jornalista, o ponto de maior discrepância entre o tratamento recebido pelas filhas vem da coordenação de ensino. Isso porque a coordenadora do fundamental, no caso da mais velha, costuma ser mais acessível e mais acolhedora. Já a coordenadora do infantil, de acordo com Lohe, minimiza os relatos de discriminação e racismo.

Omissão sobre racismo

Com dificuldades para se reunir com a direção do colégio, Lohe diz ter insistido no tema nas reuniões escolares. Em uma dessas ocasiões, a mãe de uma das meninas que teria proferido as ofensas contra a filha da jornalista, chegou a declarar, de forma irônica, que “tudo é racismo”. A declaração está em um áudio obtido pela reportagem.

Fora os encontros, Lohe pediu, em troca de e-mails com a coordenação do colégio, para que a coordenadora do ensino infantil se desculpasse pelos episódios discriminatórios. “Não no sentido dela chegar e me pedir desculpas, mas dela dizer: ‘Nós entendemos que a escola realmente precisa tomar atitudes em relação à educação antirracista’”, afirmou.

Em resposta, a escola afirmou, em um relatório enviado à Secretaria de Educação (Seduc), que “considera que essa medida talvez não seja o encaminhamento mais adequado, uma vez que, sob a perspectiva institucional, não foi identificada qualquer atitude de cunho racista direcionada aos responsáveis ou à educanda”.

O colégio disse que “o momento em questão foi permeado por uma situação de tensão emocional, o que pode ter dificultado um diálogo mais produtivo”.

Em 12 de setembro, Lohe marcou uma reunião com o corpo pedagógico. Apenas as coordenadoras estavam presentes, mas a jornalista pediu a presença da diretora da instituição. Diante de negativas, ela acionou a Polícia Militar (PM) de São Paulo, que foi liberada pelos funcionários do colégio. Segundo Lohe, ela foi impedida de falar com os agentes de segurança.

O que diz a escola

Seduc acompanha o caso

Em nota, a Seduc informou que a Unidade Regional de Ensino (URE) Leste 4 foi comunicada sobre o caso e que acompanha de perto a situação, “analisando os relatos e documentos apresentados”.

De acordo com a pasta, desde o primeiro contato, a URE Leste 4 atua como mediadora entre a família e a escola “em busca por soluções efetivas que garantam o cumprimento das normas, a fim de garantir que seja cumprida a legislação educacional vigente para a promoção de um ambiente escolar justo, seguro e inclusivo para todos”.

Por fim, a Seduc destacou repudiar veementemente qualquer forma de racismo ou discriminação dentro ou fora do ambiente escolar, reforçando que as UREs têm a responsabilidade de supervisionar e fiscalizar o trabalho pedagógico das escolas particulares, garantindo que cumpram integralmente as normas estabelecidas pelo Conselho Estadual de Educação.

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