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Manifestantes protestam em Portugal contra política migratória

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Manifestantes protestam em Portugal contra política migratória

Centenas de pessoas se reuniram na quarta-feira (17/9) em frente à Assembleia da República, em Lisboa, exigindo “documentos para todos”. O ato, organizado pela associação Solidariedade Imigrante, denuncia o endurecimento das políticas migratórias do governo português e ocorreu no mesmo dia em que forças policiais realizaram operações de fiscalização visando comunidades estrangeiras no Alentejo, região sul do país, conhecida pela forte presença de trabalhadores imigrantes.

Segundo a agência Lusa, a Guarda Nacional Republicana (GNR) realizou uma operação no município de Odemira, distrito de Beja, fiscalizando cerca de 580 estrangeiros em diversas propriedades agrícolas. Dois homens, de 26 e 27 anos, foram detidos por estarem em situação irregular no país.

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Para Timóteo Macedo, presidente da organização Solidariedade Imigrante, não há coincidência entre o protesto em Lisboa e as ações policiais no Alentejo. Segundo ele, as operações refletem uma política deliberada de perseguição.

“É um clima de medo instaurado por políticas que se alinham com a extrema direita, numa verdadeira caça ao imigrante”, resume. “Sabendo que hoje haveria uma grande manifestação em frente ao Parlamento, essas ações parecem ter sido pensadas para impedir que muitos imigrantes do Alentejo se deslocassem até Lisboa. Não é coincidência. É proposital.”

Brasileiros em Portugal enfrentam discriminação crescente

A presença brasileira em Portugal, que representa cerca de 15% da população imigrante no país, tem sido marcada por episódios recorrentes de discriminação, xenofobia e exclusão institucional. Embora os laços históricos e linguísticos entre os dois países sugiram proximidade, os dados revelam um cenário cada vez mais hostil para quem busca viver e trabalhar legalmente em território português.

Segundo a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), o número de denúncias de xenofobia contra brasileiros aumentou 142% entre 2018 e 2021, totalizando 109 queixas formais. Os relatos incluem desde agressões verbais e físicas até dificuldades de acesso à moradia e oportunidades de trabalho. A comissão alerta para a subnotificação desses casos, indicando que o número real pode ser significativamente maior.

A Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) também aponta que os brasileiros são o grupo imigrante mais discriminado em Portugal. Em seu relatório de 2022, a ECRI revelou que 55% dos brasileiros residentes afirmam já ter sofrido algum tipo de discriminação, índice superior ao de outras comunidades lusófonas, como os do continente africano (33%). O documento recomenda que o governo português implemente políticas públicas com metas claras de inclusão e participação ativa da sociedade civil.

Outro estudo relevante é o relatório Migramyths, publicado pela Casa do Brasil de Lisboa, que analisa os mitos e estigmas associados à imigração brasileira. A pesquisa destaca que mulheres brasileiras enfrentam dupla discriminação — por gênero e por nacionalidade — especialmente em serviços públicos como centros de saúde. Os dados mostram que 56,8% das entrevistadas relataram episódios de xenofobia, enquanto 27,8% mencionaram preconceito linguístico.

Além da discriminação cotidiana, os brasileiros também enfrentam barreiras institucionais. Entre 2023 e 2024, o número de brasileiros impedidos de embarcar para Portugal aumentou 700%, passando de 179 para 1.470 pessoas, segundo dados divulgados pela imprensa portuguesa com base em registros da imigração. A justificativa oficial envolve questões documentais, mas especialistas apontam para um endurecimento das políticas migratórias e maior seletividade na entrada de estrangeiros.

“Estado de terror”

Timóteo Macedo também criticou o atual governo, liderado por Luís Montenegro, do Partido Social Democrata (centro-direita), por ameaçar desrespeitar recomendações do Tribunal Constitucional sobre mudanças na Lei da Imigração. “Vivemos um estado de terror, especialmente por conta das políticas públicas voltadas à imigração”, disse o presidente da organização Solidariedade Imigrante. “Há uma ameaça clara de que o governo não respeite as decisões do Tribunal Constitucional sobre as alterações que pretende fazer na lei. E, mais adiante, isso vai atingir também a Lei da Nacionalidade.”

Apesar do cenário de repressão, Macedo destacou a força da mobilização. “Os imigrantes querem fazer ouvir sua voz. Talvez essa tenha sido a maior concentração de imigrantes já realizada em frente à Assembleia da República. Fizemos uma carta aberta a diversas figuras públicas e, em apenas dois dias, tivemos uma recepção incrível. Dezenas de pessoas se inscreveram para apoiar.”

Macedo observa que, ao contrário de outros países europeus, em Portugal os atos de rua costumam ser protagonizados pelos próprios imigrantes. “Isso é positivo. É importante que as pessoas se exponham, que não se escondam. Mas, desta vez, tivemos também o apoio de muitos portugueses, que demonstraram solidariedade com a luta dos imigrantes e com a situação dramática que enfrentam.”

Crueldade das políticas migratórias

Ele denuncia ainda o caráter cruel das políticas migratórias atuais. “É dramático que as pessoas não possam garantir estabilidade para suas famílias. É dramático receberem notificações com prazo de 20 dias para deixar o país. São políticas cruéis. Há pessoas que trabalham aqui há anos, que solicitaram documentos e esperaram dois, três anos por uma resposta. Isso é ilegal. O Estado português está cometendo uma ilegalidade. Em Portugal, as políticas são mais autoritárias em relação aos imigrantes. Falta solidariedade por parte do governo.”

A nova Lei da Imigração foi aprovada pelo Parlamento português em 16 de julho, com cláusulas mais restritivas. No entanto, em 8 de agosto, o Tribunal Constitucional rejeitou alguns artigos, especialmente os que limitavam o direito ao reagrupamento familiar. O governo, agora, é obrigado a revisar o pacote legislativo. Ainda neste mês, está prevista a votação da nova Lei da Nacionalidade.

Enquanto isso, os imigrantes seguem enfrentando obstáculos burocráticos para viver e trabalhar legalmente em Portugal. De acordo com a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), o país abriga cerca de 1,6 milhão de imigrantes — aproximadamente 15% da população.

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