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    Na mira do STF, Carapicuíba acumula R$ 13 milhões em emendas suspeitas

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    Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou indícios de fraude na execução de emendas Pix recebidas por Carapicuíba (SP), uma das cidades que teve a transferência de recursos enviados por parlamentares suspensa pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF).

    Os achados dos auditores da CGU incluem R$ 13,4 milhões de gastos não comprovados e obras mal feitas na cidade da Grande São Paulo. Outras oito cidades também tiveram emendas Pix suspensas por Dino, devido a irregularidades. A Prefeitura de Carapicuíba afirma que tem a comprovação dos gastos e que eles serão inseridos no sistema assim que os planos de trabalho forem aprovados.

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    Conforme o Metrópoles mostrou, Carapicuíba já recebeu R$ 157 milhões dessas emendas desde 2020, mas nem mesmo parte dos parlamentares que destinaram os recursos sabem onde foi parar o dinheiro. Isso porque a cidade apresenta várias falhas na prestação de contas, o que é criticado por políticos e até pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).

    Indícios de fraude nas emendas Pix

    • A auditoria da CGU analisou cinco emendas enviadas para a cidade da Grande São Paulo que somam R$ 55 milhões. Desse total, houve execução financeira de apenas duas delas, sendo que os demais recursos permanecem em contas correntes na Caixa.
    • Uma das emendas analisadas é do ex-deputado federal Vinicius Carvalho (Republicanos), com valor de R$ 9 milhões, destinada a pavimentação de ruas e coleta de lixo.
    • De acordo com a CGU, apenas R$ 3,2 milhões “guardam alguma conformidade passível de se enquadrar nos critérios adotados”. Os demais R$ 5,7 milhões “não apresentaram elementos que permitissem vinculá-las à citada emenda”.
    • Outra emenda, do ex-deputado Alexandre Frota (PDT), no valor de R$ 8 milhões, também não teve comprovação das despesas por parte da prefeitura, segundo a CGU.
    • A emenda visava uma ampla gama de serviços como sinalização de trânsito, reparo em calçadas e aquisição de coletes balísticos. No entanto, segundo a auditoria, houve insuficiência na comprovação de R$ 7,7 milhões.
    • A auditoria encontrou dificuldade para rastrear os gastos pelo uso de contas bancárias compartilhadas para várias emendas e também a pulverização dos gastos em vários contratos.

    “Outro fator decorrente dessa ‘pulverização’ se traduz na dificuldade de verificação de fragmentos de obras ou trechos dentro de um contrato maior”, diz a auditoria da CGU.

    Obras atrasadas e mal feitas

    Além dos problemas na prestação de contas, os auditores constataram uma série de falhas nas obras realizadas pela Prefeitura de Carapicuíba, que vão de má execução a atrasos. A análise cita, por exemplo, problemas no acabamento de obras de vias como a estrada Miguel Vieira Ferreira, na Vila Dirce, onde guias e sarjetas previstas não foram reconstruídas.

    A CGU cita que um contrato assinado em dezembro de 2022 com prazo de 720 dias, na data da medição em julho do ano passado, apresentava apenas 48% da execução. O trecho mais caro do pacote, a estrada do Jacarandá, tinha apenas 28% da execução.

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    Estrada do Jacarandá em obras, com atraso, segundo CGU

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    Obra sem realização de guias e sarjetas

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    CGU

    Emendas de evangélicos

    Uma particularidade da cidade da região metropolitana é que as remessas feitas por deputados da bancada evangélica representam 58% dos valores recebidos via emendas Pix. Em geral, políticos endereçam a maior fatia de suas emendas para seus redutos eleitorais, coisa que não acontece em Carapicuíba.

    Sete parlamentares evangélicos que enviaram R$ 92 milhões à cidade receberam, somados, apenas 9 mil votos em 2022 no município – se dependessem só desses eleitores, alguns deles não seriam eleitos nem mesmo vereadores.

    Apenas o deputado federal Marco Feliciano (PL) mandou R$ 33 milhões para Carapicuíba. A cidade é a 16ª em eleitores do pastor evangélico, somando a ele apenas 2.198 votos. Com essa votação, ele seria apenas o 16º vereador mais votado, entre 20 na cidade. Já para Orlândia, cidade natal de Feliciano, ele destinou apenas R$ 500 mil em emendas Pix. Lá, o parlamentar teve três vezes mais votos.

    Emendas na mira do STF

    No último dia 15/9, o ministro Flávio Dino, do STF, suspendeu repasses via emendas Pix para nove municípios. Carapicuíba é a única cidade paulista que foi alvo da decisão e a que recebeu montantes maiores. Dino afirmou que a suspensão se deu por “pendência de análise do Plano de Trabalho pelo Ministério setorial; ausência de complementação pelo ente e ausência de mensuração de metas”.

    Em outra ação, na semana passada, o ministro deu 15 dias para a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU) apresentarem um cronograma de trabalho para a fiscalização de emendas Pix, enviadas entre os anos 2020 e 2024, que englobam os governos Lula e Bolsonaro.

    Veja lista de quem enviou mais emendas para Carapicuíba:

    • Pr. Marco Feliciano (PL) – R$ 33,9 milhões
    • Alexandre Frota (PSDB) – R$ 27,1 milhões
    • Vinicius Carvalho (Republicanos) – R$ 17,9 milhões
    • Milton Vieira (Republicanos) – R$ 16,5 milhões
    • Eli Corrêa Filho (União Brasil) – R$ 12,2 milhões
    • Gilberto Nascimento (PSC) – R$ 7,4 milhões
    • Jefferson Campos (PL) – R$ 6,8 milhões
    • Abou Anni (União Brasil) – R$ 5,9 milhões
    • Bruno Ganem (Podemos) – R$ 4,9 milhões
    • Roberto de Lucena (Republicanos) – R$ 4,88 milhões
    • David Soares (União Brasil) – R$ 4,5 milhões

    O que diz a Prefeitura de Carapicuíba

    Por meio de nota, a Prefeitura de Carapicuíba afirmou que possui toda a documentação necessária para comprovar a aplicação dos recursos das emendas parlamentares e atribuiu os problemas apontados pela CGU aos trâmites para a prestação de contas. Segundo o município, o prazo estabelecido “foi muito exíguo para o volume de documentação requerida”.

    A prefeitura justifica que, por determinação do STF, a partir de 2024 os beneficiários de transferências foram obrigados a apresentar um plano de trabalho e que somente após a aprovação dele é possível incluir a prestação de contas. Até agora, de cinco emendas, uma já foi aprovada.

    A gestão afirma que a responsabilidade de abrir as contas não é sua, mas do governo federal, e nega a pulverização de recursos. Segundo a administração, a prefeitura usou recursos das transferências para custear parte da contrapartida municipal de convênios já firmados e que “em nenhum momento houve a intenção de dificultar a fiscalização”.

    Sobre as obras mal feitas e atrasadas, a gestão municipal afirmou que “está analisando os apontamentos realizados e adotará todas as providências necessárias para o fiel cumprimento de todos os contratos”.