O traficante Sebastián Marset construiu uma carreira criminal em cima de algo simples — ser quem precisasse ser. Líder do chamado Primeiro Cartel Uruguaio, ele aprendeu a transformar identidades em escudos: documentos perfeitos, histórias de vida detalhadas, perfis em redes sociais e até sotaques e maneirismos ajustados ao cenário.
Em público, surgia como empresário próspero e apaixonado por futebol; nos bastidores, coordenava uma rede transnacional de tráfico e lavagem de dinheiro. O Departamento de Estado norte-americano oferece US$ 2 milhões por informações que levem à sua captura. Acusado de narcotráfico internacional e lavagem de dinheiro, Marset movimentava carregamentos de cocaína da América do Sul para a Europa, segundo documentos judiciais norte-americanos.
Uma de suas máscaras mais eficazes foi a de “empresário brasileiro” estabelecido em Santa Cruz de la Sierra. A cobertura fazia sentido: brasileiros são comuns na região, o ambiente de negócios favorecia investimentos e a papelada parecia impecável, de registros civis a trilhas profissionais.
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Com essa identidade, Marset montou empresas em ramos diversos e se aproximou do futebol local, adquirindo participação em clube e até entrando em campo. A rotina de treinos, entrevistas e presença em jogos não era só vaidade, servia para legitimar fortuna, trânsito e contatos.
O futebol abre portas sociais e políticas, além de normalizar movimentações financeiras vultosas. Reformas em estádios, transferências, patrocínios, viagens de equipe: tudo vira justificativa crível para dinheiro circulando.
Marset explorou essa janela com frieza cirúrgica, equilibrando uma imagem de “benfeitor do esporte” com operações que, segundo investigações, abasteciam sua logística de drogas e lavagem. A camisa 10, símbolo de liderança e brilho criativo, ajudava a cimentar a narrativa do “craque-investidor”.
Por trás das máscaras, havia método. Marset operava com um arsenal de documentos de vários países, presença digital coerente e evolução constante de aparência — barba, cabelo, óculos, retoques sutis. Cada persona vinha com biografia, contatos e rotina “verificáveis”. Antes de usar uma identidade em algo grande, ele a testava em “voos baixos”: check-in de hotel, contas menores, aparições sociais. Deu certo por anos.
A visibilidade que o futebol ofereceu também criou um acervo de imagens e vídeos. Quando análises biométricas e cruzamentos de dados avançaram, a distância entre o “empresário brasileiro” e o foragido uruguaio começou a sumir. A partir daí, a máscara caiu: pegadas digitais, documentos e padrões de comportamento amarraram suas personas. As mesmas ferramentas tecnológicas que sustentavam a camuflagem passaram a desmascará-la.