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    O dia em que Fernando Sabino visitou Lucio Costa e errou numa coisa

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    Cronista dos melhores, Fernando Sabino escreveu um texto de quase página inteira no Jornal do Brasil (21/03/1973) relatando a visita que fez a um dos mais importantes brasileiros do século XX. Lucio Costa o recebeu no apartamento da Avenida Delfim Moreira, de frente para o mar, penúltimo prédio do Leblon, na boca da Avenida Niemeyer, Rio de Janeiro.

    Sabino repete algumas vezes ao longo do texto: “Eu precisava ser arquiteto para entender este homem”. O cronista do Encontro Marcado parecia estar diante de um admirável enigma, exatamente a imagem que Lucio Costa encarnava para todos quantos dele se aproximavam. Chegar até ele era fácil, mas ele não gostava de dar entrevista. Naquele tempo de telefone fixo, ele atendia a ligação e dizia em poucas palavras que não falaria sobre o assunto em pauta.

    Mas Fernando Sabino não era jornalista, já era um cronista respeitado, parceiro de Otto Lara Rezende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino, os quatro célebres mineiros inseparáveis.

    “Uma porta de elevador se abre, atirando-me diretamente no interior do apartamento”, escreve o cronista. Há algo de quase religioso naquele homem e Sabino logo intui pela composição da casa: “A sala tem paredes brancas e móveis antigos como a de um mosteiro”.

    Sabino descreve o enigmático personagem: “Modesto, discreto como um fidalgo incógnito, o orgulho escondido na sobriedade de maneiras, algo verdadeiramente monacal na vida deste homem”.

    O cronista amigo de Clarice segue procurando na paleta das palavras as cores que melhor podem representar o personagem: “O perfil, ornado pelo imenso bigode grisalho, tem qualquer coisa de águia ou condor”. Sabino escolhe duas aves de grande envergadura e simbolismo para tentar saber quem é Lucio Costa.

    “Eu queria ser arquiteto para entender este homem”, Sabino segue repetindo como quem saiu da longa e minuciosa entrevista sem ter desvelado o personagem. Pelo contrário, o mistério parece ter ficado maior e persegue as linhas até o final do texto.

    A entrevista de Fernando Sabino com Lucio Costa vem acompanhada de uma caricatura do genial Lan, o ítalo-brasileiro que gostava de desenhar mulheres negras e se casou com uma delas, Olívia Marinho, passista da Portela. No desenho, que ilustra essa crônica, surge um Lucio de terno, vastíssimo bigode, olhos caídos de quem já viu coisa demais e uma imponência quase imperial embora quase humilde. Era assim, o misterioso Lucio.

    No dia em que o texto foi publicado, em jornal de papel, o arquiteto telefonou para o cronista, agradeceu pela crônica e fez uma correção: ao contrário do que Sabino escreveu, ele bebia e só não fumava por proibição médica. E concluiu convidando o mineiro para uma nova visita, desta vez com uma rodada de uísque.

    * Este texto representa as opiniões e ideias do autor.